Schopenhauer (EDP): o lado assustador da vontade

tradução

Os filósofos da antiguidade reuniram na mesma ideia muitas coisas absolutamente heterogêneas; cada Diálogo Platão nos fornece provas em massa. A confusão mais grave deste tipo é aquela entre ética e política. O Estado e o reino de Deus, ou a lei moral, são coisas tão diferentes que o primeiro é uma paródia do segundo, uma amarga zombaria da ausência deste último, uma muleta em lugar de uma perna, uma autômato no lugar de um homem.

Os pseudo-filósofos de nosso tempo nos ensinam que o Estado se propõe a promover os fins morais do homem; mas isso não é verdade, ao invés o contrário que é verdadeiro. O fim do homem – uma expressão parabólica – não é que ele aja assim ou não, porque todas as óperas, todas as coisas feitas, são por si mesmas indiferentes. Não, o fim é que a vontade, da qual cada homem é um espécime completo, ou melhor, esta vontade mesma, se volte para onde deve se voltar; que o homem (a união do conhecimento e da vontade) reconheça esta vontade, o lado assustador desta vontade, que ele se reflita em suas ações e em seus horrores. O Estado, que não visa senão a felicidade geral, entrava as manifestações da má vontade, e em nada a vontade ela mesma, o que seria impossível. É por essa razão que é muito raro que um homem veja toda a abominação de seus atos no espelho destes. Ou você realmente acredita que Robespierre, Bonaparte, o imperador de Marrocos, os assassinos que você vê atuando, sejam os únicos perversos entre todos os homens? Você não entende que muitos agiriam absolutamente como eles, se pudessem?

[…]

Bonaparte não era realmente pior do que muitos homens, para não dizer a maioria. Ele possuía o egoísmo muito usual que busca sua felicidade às custas dos outros. O que o distingue é simplesmente a maior força com a qual ele satisfazia esta vontade, a maior inteligência, razão e coragem e, finalmente, o campo de ação favorável que lhe abriu o destino. Graças a todas estas vantagens, ele fez por seu egoísmo o que milhares de pessoas gostariam de fazer por conta própria, mas não podem. Qualquer garoto fraco que obtenha, por pequena perversidade, uma pequena vantagem em detrimento de outros, por menos grave que seja este detrimento, é tão perverso quanto Bonaparte.

Aqueles que são embalados pela ilusão de que há uma recompensa após a morte gostariam que Napoleão expiasse por torturas incontáveis os inúmeros males que ele causou. Mas ele não é mais culpado do que todos aqueles que, tendo a mesma vontade, não têm a mesma força. Pelo fato que ele possuía esta força rara, ele revelou toda a maldade da vontade humana; e os sofrimentos de sua época, como o reverso da medalha, revelam a miséria inseparável da má vontade, cuja aparência, em seu conjunto, é o mundo ele mesmo. Mas o fim e a meta do mundo é precisamente que se reconheça por que miséria inominável a vontade está ligada à vida e, na realidade, se faz uma com ela. A aparição de Bonaparte, portanto, contribui muito para este fim. Que o mundo seja um agradável país de Cocagne, esse não é o objetivo desta aparição; seu objetivo, pelo contrário, é que seja um drama em que a vontade de viver se reconheça e se separe. Bonaparte é simplesmente um poderoso espelho da vontade humana de viver.

A diferença entre aquele que causa o sofrimento e aquele que o suporta, está somente no fenômeno. Tudo isto é uma vontade única de viver, idêntica a grandes sofrimento; e o conhecimento destes pode desviar e fazer cessar esta vontade.

Original

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