Rousseau (Emile) – Inatismo da consciência moral

J.-J. Rousseau, Emile, ed. Garnier, pp. 336-347.

Depois de ter assim deduzido as principais verdades que me importava conhecer da impressão dos objetos sensíveis e do sentimento interior que me leva a ajuizar das causas segundo as minhas luzes naturais, resta-me procurar que máximas devo daí extrair para minha conduta e que regras devo prescrever-me para realizar o meu destino na Terra, segundo a intenção daquele que nela me colocou. Usando sempre o meu método, não extraio essas regras dos princípios de uma filosofia, mas encontro-as no fundo do meu coração, escritas pela natureza em caracteres indeléveis. Basta que me consulte sobre o que devo fazer: tudo que eu sinto ser bem é bem, tudo que sinto ser mal é mal; o melhor de todos os casuístas é a consciência; e só quando traficamos com ela temos de recorrer às subtilezas do raciocínio.

A consciência é a voz da alma, as paixões são a voz do corpo. Não admira que muitas vezes duas linguagens se contradigam, e, nesse caso, qual havemos de ouvir? Muitíssimas vezes a razão nos engana — temos portanto o direito de a rejeitar; mas a consciência nunca nos engana; é ela o verdadeiro guia do homem; está para a alma como o instinto está para o corpo; quem a segue obedece à natureza e não tem medo de se extraviar. […]

Lançai os olhos por todas as nações do mundo, percorrei todas as histórias: entre tantos cultos inumanos e bizarros, entre a prodigiosa diversidade de costumes e caracteres, achareis as mesmas ideias de justiça e de honestidade, os mesmos princípios de moral, as mesmas noções de bem e de mal. […]

Há portanto no recesso das almas um princípio inato de justiça e de virtude, pelo qual, apesar das nossas próprias máximas, julgamos os atos próprios e alheios como bons ou como maus; e é a esse princípio que eu dou o nome de consciência.

[…]

Consciência! Consciência! Divino instinto; voz celeste e imortal; guia sempre seguro de um ser ignorante e limitado, mas inteligente e livre; juiz infalível do bem e do mal, que faz o homem semelhante a Deus, és tu que constituis a excelência de sua natureza e a moralidade de suas ações; sem ti não sinto em mim nada que me erga acima dos animais, além do triste privilégio de me perder de erro em erro, com o concurso de um entendimento sem regra e de uma razão sem princípio.

Graças ao Céu, estamos livres de todo o medonho aparato da filosofia: podemos ser homens sem termos de ser sábios; eximidos de consumir a vida no estudo da moral, dispomos com menor dispêndio de um guia mais seguro no imenso dédalo das opiniões humanas.

[…]

Se faço o mal, não tenho desculpa: faço-o porque assim o quero; pedir que mude a minha vontade é pedir-lhe o que me pede ele a mim; é desejar que faça por mim o meu trabalho e receba eu o salário; não me contentar com o meu estado é não desejar ser homem, é desejar coisa diversa da que existe, é querer a desordem e o mal. Fonte de justiça e de verdade, Deus clemente e bom!, na minha confiança em ti, o supremo voto do meu coração é que seja feita a tua vontade. Acrescentando-lhe a minha, faço o que tu fazes, aquiesço à tua bondade; julgo participar antecipadamente da felicidade que decorre como prêmio.

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