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Pessoa: REFLEXÕES SOBRE O HOMEM

domingo 27 de julho de 2014, por Cardoso de Castro

  

1. O homem é um animal irracional, exatamente como os outros. A única diferença é que os outros são animais irracionais simples, e o homem é um animal irracional complexo. É esta a conclusão a que nos leva a psicologia científica, no seu atual estado de desenvolvimento. O subconsciente, inconsciente, é que dirige e impera, no homem como no animal. A consciência, a razão, o raciocínio são meros espelhos. O homem tem apenas um espelho mais polido que os animais que lhe são inferiores.

2. Sendo assim, toda a vida social procede de irracionalismos vários, sendo absolutamemte impossível (excepto no cérebro dos loucos e dos idiotas) a ideia de uma sociedade racionalmente organizada, ou justiceiramente organizada, ou, até, bem organizada.

3. A única coisa superior que o homem pode conseguir é um disfarce do instinto, ou seja o domínio do instinto por meio de um instinto reputado superior. Esse instinto é o instinto estético. Toda a verdadeira política e toda a verdadeira vida social superior é uma simples questão de senso estético, ou de bom gosto.

4. A humanidade, ou qualquer nação, divide-se em três classes sociais verdadeiras: os criadores de arte; os apreciadores de arte; e a plebe. As épocas maiores da humanidade são aquelas em que sobressaem os criadores de arte, mas não se sabe como se realizam essas épocas, porque ninguém sabe como se produzem homens de gênio.

5. Toda a vida e história da humanidade é uma coisa, no fundo, inteiramente fútil, não se percebe para que há, e só se percebe que tem que haver.

6. A plebe só pode compreender a civilização material. Julgar que ter automóvel é ser feliz é o sinal distintivo do plebeu (Texto provavelmente de 1926-1928).


O homem não sabe mais que os outros animais; sabe menos. Eles sabem o que precisam saber. Nós não (Texto sem data).


O homem luta não só, como os animais, pelo necessário, mas também pelo supérfluo.

(Aqui se mostra o mórbido.) A luta pelo supérfluo (Texto sem data).


O problema essencial da vida, que é o problema da realidade ou da verdade, não existe, nem pode existir em iguais termos para o homem de inteligência superior e para o homem vulgar. O homem de inteligência superior não tem, é certo, melhores elementos para descobrir a verdade do que o mais fechado dos idiotas. O que tem é melhores elementos para compreender por que é que ela se não pode descobrir. Mas a descrença, a que chegam todos os espíritos elevados, em quem a razão predomina sobre o sentimento, sendo para eles tônica, é absolutamente desastrosa para os inferiores. Sem fé, sem crença, o homem vulgar reduz-se a um bicho; com fé, com crença, o homem superior baixa de posto. De aí o terrível paradoxo, que ataca todo o homem ao mesmo tempo superior intelectual e moralmente; que é inferior não sentir a descrença, e inferior pregar a descrença que sente. 0 inferior não é capaz de descrença, porque a crença é um estado orgânico dos instintivos. Por isso a descrença, caindo nesse solo impropício, ou se torna um fanatismo às avessas, ou um materialismo sem teoria, ou uma simples estupidez (Presumivelmente de 1926-1928.).