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Nietzsche (GC:125) – Deus está morto!

terça-feira 12 de novembro de 2024

  

125. O homem desvairado — Não ouviram falar daquele homem desvairado que em plena manhã acendeu uma lanterna, correu até a praça e gritou incessantemente: “Procuro Deus! Procuro Deus!”? — E como lá se encontravam muitos daqueles que não acreditavam em Deus, ele provocou uma grande gargalhada. Será que ele está perdido? perguntou um deles. Ele se perdeu como criança? perguntou outro. Está se escondendo? Ele tem medo de nós? Embarcou em um navio? Emigrou? — assim gritavam e riam uns para os outros. O homem se lançou para o meio deles e transpassou-os com seu olhar. “Para onde foi Deus?”, gritou ele, “já lhes direi! Nós matamos — você e eu. Somos todos seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como conseguimos esvaziar o mar? Quem nos deu a esponja para apagar o horizonte? Que fizemos nós, ao desatar a terra de seu sol? Para onde se move ela agora? Para onde nos movemos nós? Para longe de todos os sóis? Não caímos continuamente? Para trás, para os lados, para a frente, em todas as direções? Existem ainda ‘em cima’ e ‘embaixo’? Não erramos como que através de um nada infinito? Não sentimos na pele o sopro do vácuo? Não se tornou ele mais frio? Não anoitece eternamente? Não temos que acender a lanterna de manhã? Ainda não escutamos nada do barulho dos coveiros que estão a enterrar Deus? Não sentimos o cheiro da putrefação divina? — também os deuses apodrecem! Deus está morto! Deus continua morto! E nós o matamos. Como nos consolamos, os assassinos entre todos os assassinos? O mais sagrado e poderoso que o mundo até então possuira sangrou inteiro sob os nossos punhais — quem nos limpará este sangue? Com que água poderíamos nos purificar? Que ritos expiatórios, que jogos sagrados teremos de inventar? A grandeza deste ato não é grande demais para nós? Nós mesmos não deveremos nos tornar deuses para que venhamos a parecer dignos deste ato? Nunca houve um ato maior — e quem vier depois de nós pertence por causa deste ato a uma história mais elevada do que toda história até aqui! Neste momento silenciou o homem desvairado e olhou novamente para os seus ouvintes: Também eles ficaram em silêncio, olhando espantados para ele. Finalmente, ele lançou sua lanterna no chão, de modo que esta se partiu e apagou. “Eu cheguei cedo demais” — disse ele então — “eu não estou sintonizado com o tempo”. Este acontecimento extraordinário ainda está a caminho e perambulando — não chegou ainda aos ouvidos dos homens. O raio e a tempestade precisam de tempo, a luz dos astros precisa de tempo, os atos precisam de tempo, mesmo depois de terem sidos realizados, para serem vistos e ouvidos. Este ato é para os homens mais distante que o mais distante dos astros: e porém eles o cometeram! — Conta-se ainda que o homem desvairado adentrou no mesmo dia várias igrejas e entoou aí seu Requiem aeternam deo. Acompanhado até a porta e interrogado, limitava-se a responder. “O que são ainda afinal estas igrejas, senão túmulos e mausoléus de Deus? [Tr. Alexandre Marques Cabral  ]


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