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Nietzsche (A:9) – o teólogo
terça-feira 12 de novembro de 2024
9. A esse instinto de teólogo eu faço guerra: encontrei sua pista em toda parte. Quem possui sangue de teólogo no corpo, já tem ante todas as coisas uma atitude enviesada e desonesta. O pathos que daí se desenvolve chama a si mesmo de fé: cerrar os olhos a si mesmo de uma vez por todas, para não sofrer da visão da incurável falsidade. Dessa defeituosa ótica em relação às coisas a pessoa faz uma moral, uma virtude, uma santidade, vincula a boa consciência à falsa visão — exige que nenhuma outra ótica possa mais ter valor, após tornar sacrossanta a sua própria, usando as palavras “Deus”, “salvação”, “eternidade”. Desencavei o instinto de teólogo em toda parte: é a mais disseminada, a forma realmente subterrânea de falsidade que existe na Terra. O que um teólogo percebe como verdadeiro tem de ser falso: aí se tem quase que um critério da verdade. Seu mais fundo instinto de conservação proíbe que a realidade receba honras ou mesmo assuma a palavra em algum ponto. Até onde vai a influência do teólogo, o julgamento de valor está de cabeça para baixo, os conceitos de “verdadeiro” e “falso” estão necessariamente invertidos: o que é mais prejudicial à vida chama-se “verdadeiro”, o que a realça, eleva, afirma, justifica e faz triunfar chama-se “falso”... Se acontece de os teólogos, através da “consciência” dos príncipes (ou dos povos —), estenderem a mão para o poder, não duvidemos do que no fundo sempre se dá: a vontade de fim, a vontade niilista quer alcançar o poder...
[NIETZSCHE , F. O anticristo e ditirambos de Dionísio. Tr. Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia Digital, 2012]
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