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Nancy (2007:33) – Urbi et orbi

sexta-feira 20 de setembro de 2024

  

Urbi et orbi: essa formulação extraída da bênção papal passou a significar "em todo lugar e em qualquer lugar" na linguagem comum. Em vez de uma mera mudança de significado, trata-se de uma desintegração genuína. Essa desintegração não se deve simplesmente à dissolução do vínculo religioso cristão que (mais ou menos) manteve o mundo ocidental unido até meados do século XX, para o qual o século XIX efetivamente abriu mão de suas certezas (história, ciência, conquista da humanidade — quer isso tenha ocorrido com ou contra vestígios do cristianismo). Isso se deve ao fato de que não é mais possível identificar uma cidade que seria "A Cidade" — como Roma foi por tanto tempo — ou uma esfera que forneceria o contorno de um mundo estendido em torno dessa cidade. Pior ainda, não é mais possível identificar nem a cidade nem o globo do mundo em geral. A cidade se espalha e se estende até o ponto em que, embora tenda a cobrir todo o globo do planeta, ela perde suas propriedades de cidade e, é claro, com elas, as propriedades que permitiriam distingui-la de um "país". O que se estende dessa maneira não é mais propriamente "urbano" — seja da perspectiva do urbanismo ou da urbanidade — mas megapolítico, metropolitano ou co-urbacional, ou então preso na frouxa rede do que é chamado de "rede urbana". Em tal rede, a cidade se aglomera, a acumulação hiperbólica de projetos de construção (com sua concomitante demolição) e de trocas (de movimentos, produtos e informações) se espalha, e a desigualdade e o apartheid relativos ao acesso ao meio urbano (supondo que se trate de moradia, conforto e cultura), ou essas exclusões da cidade que há muito tempo produziram suas próprias rejeições e párias, se acumulam proporcionalmente. O resultado só pode ser entendido em termos do que é chamado de aglomeração, com seus sentidos de conglomeração, de empilhamento, com o sentido de acumulação que, por um lado, simplesmente concentra (em alguns bairros, em algumas casas, às vezes em algumas minicidades protegidas) o bem-estar que costumava ser urbano ou civil, enquanto, por outro lado, prolifera o que leva o nome bastante simples e impiedoso de miséria.

[NANCY  , J.-L. The creation of the world, or, globalization. François Raffoul. Albany: State University of New York Press, 2007]


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