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Lewinter: O Isso e o eu
domingo 8 de setembro de 2024, por
nossa tradução
I. Por causa de si entendo aquilo cuja essência envolve existência, ou seja, aquilo cuja natureza não pode ser concebida senão existente.
III. Por substância entendo aquilo que é em si e é concebido por si, isto é, aquilo cujo conceito não precisa do conceito de outra coisa a partir do qual deva ser formado.
IV. Por atributo entendo aquilo que o intelecto percebe da substância como constituindo a essência dela.
V. Por modo entendo afecções da substância, ou seja, aquilo que é em outro, pelo qual também é concebido.
VII. É dita livre aquela coisa que existe a partir da só necessidade de sua natureza e determina-se por si só a agir. Porém, necessária, ou antes coagida, aquela que é determinada por outro a existir e a operar de maneira certa e determinada.
Estas definições de Espinosa (Ética, parte 1 [1]) aplicam-se tão perfeitamente às concepções groddeckianas do Isso, do eu e de seus relacionamentos, que nos permitem identificar o "Sistema" metafísico que sustenta e justifica as declarações e posições de Groddeck .
O termo "Isso", com seu significado já constituído, aparece nos escritos de Groddeck antes de ele descobrir a psicanálise: foi usado em 1909, mas ainda em conjunto com o termo Deus-Natureza, que revela onde é formado o pensamento de Groddeck.
O termo Deus-Natureza – ou seja, o conceito de Isso – é emprestado dos seguintes versos de Goethe : "Was kann der Mensch im Leben mehr gewinnen /als dass sich Gottnatur ihm offenbare/ : Wie sie das Feste lässt zu Geist verrinnen,/wie sie das Geistgezeugte fest bewahre"(O homem, o que ele pode ganhar mais na vida, exceto que para ele Deus-Natureza se revele: como ela faz se liquefazer em espírito o que é sólido, como ela conserva solidamente o que o espírito criou); e esses versículos adotam as ideias do Fragmento sobre a Natureza, escrito por Goethe após o estudo da Ética; o que explica a relação singular entre o Isso e a substância. Groddeck se forma em Espinosa tal qual Goethe se "informou".
Quanto à dialética do Isso, ela se encontra definida em dois outros textos de Goethe, aos quais Groddeck, mesmo após sua descoberta da psicanálise, continua a se referir: o West-Östlicher Diwan, que contém o conceito-verso fundamental "Stirb und werde "(morra e advenha, em Selige Sehnsucht, Nostalgia extática), e – devemos dizer, naturalmente? – o segundo Fausto. Nietzsche , ao contrário do que Freud afirma, não foi, portanto, decisivo na escolha do termo "Isso", no que diz respeito ao seu significado, mesmo que Zaratustra, afirmando a lei do retorno eterno, impregne especificamente o "espinozismo" de Groddeck, como ele impregna "criptomnesicamente" toda a psicanálise.
Groddeck o reafirma sem cessar (cf. O Livro do Isso, Do Isso, O Isso e a Psicanálise, etc.): o Isso é eterno e infinito, imutável e indivisível. É o princípio da vida, que age sobre tudo, determina sua criação e sua destruição, sem nunca "nascer" nem "morrer" com ela: "Deus é a causa imanente, mas não transitiva, de todas as coisas" (Ética, prop. 18/1). O Isso, portanto, não é idêntico à sua criação, difere essencialmente dela: a essência das coisas produzidas por Deus não envelopa a existência necessária, enquanto a essência de Deus envelopa sua existência. Em outras palavras, "tudo o que existe está em Deus e nada pode estar sem Deus, nem ser nem ser concebido" (prop. 15/1): tudo o que existe é "natureza naturada", que manifesta aquilo que não é ela, "natureza naturante".
Os atributos do Isso – como os da substância – são o pensamento e a extensão, dos quais a psique e a physis humanas são as modificações. A relação entre o eu e o Isso é aquela que Espinosa coloca entre o homem e Deus: "Segue-se que a essência do homem é constituída por certas modificações dos atributos de Deus. Porque o ser da substância não pertence à essência do homem. É, portanto, algo que está em Deus e que sem Deus não pode nem ser concebido, ou seja, um afeto ou um modo que exprime a natureza de Deus de uma maneira certa e determinada ”(coroll. prop. 10/2).
Para Espinosa, "da necessidade da natureza divina deve seguir em uma infinidade de modos uma infinidade de coisas, quer dizer, tudo o que pode cair em um entendimento infinito" (prop. 16/1) ; e de todas essas coisas que se atualizam na duração, a ideia é dada na substância eterna, que é a instantaneidade. Há existência simultânea de Deus em sua infinitude e sua finitude: em seus atributos e suas modificações, que dela não alteram a essência.
Esta existência simultânea da substância em sua infinitude naturante – como ser eterno – e em sua finitude naturada – como aparecer temporal – resolve a aparente contradição das duas afirmações constantes de Groddeck: como que o Isso é por definição não pessoal, imutável, indivisível e atemporal, toda postulação de um Isso pessoal, histórico e "sexionado" é, portanto, um sem sentido, um conceito fictício; e como que o ser humano é constituído, vivido por um Isso particular, que por si só não é simples, mas composto ad infinitum, uma vez que cada órgão e cada célula do órgão possui um Isso particular, que estabelece suas relações específicas com o homem e o universo. Para cada aparecer determinado, um ser ele mesmo determinado é dado no ser determinante enquanto ele se exprime em seu parecer.
A coexistência dos dois termos, o primeiro é intransitivo e o segundo é transitivo, define a natureza da "realidade" segundo Groddeck: como símbolo, uma aparência passiva que se refere a um ser ativo; onde o aparecer é sempre "sexionado" – separado de seu termo original – onde o ser não é indivi-dualidade. O exercício analítico é então, efetivamente, "abordagem" do Isso: decriptar do aparecer, ou símbolo, apreender do Isso determinado que aí se exprime como a expressão ela mesma do Isso determinante.
O Isso – como substância – enquanto causa de si é livre, mas não "voluntária": a vontade, na verdade, como livre arbítrio, é arbitrária – uma escolha entre possibilidades equivalentes, algumas das quais são eliminadas, de onde resultaria uma imperfeição, uma não-totalidade do Isso, que poderia ser diferente do que é –. O Isso, enquanto ideia infinita, age de acordo com a necessidade de sua própria natureza, que é a perfeição, e o Isso, como uma ideia finita, age a cada vez determinado absolutamente por outra ideia finita, ela mesma determinada: ele ignora a vontade. E é precisamente essa impossibilidade de uma vontade que, para Groddeck, como para Espinosa, torna possível o conhecimento e a análise: é este determinismo rigoroso que permite ao analista encontrar para todo fenômeno, neste caso o sintoma, a causa do qual é efeito.
Pensamento e extensão, como os atributos da substância, do Isso, sempre expressam a mesma substância única, o Isso; da mesma forma, a psique e a physis humanas, como modos destes atributos, são sempre uma só e mesma coisa, mas expressas de duas maneiras (escólio prop. 7/2). O monismo de Groddeck, de fato, é um paralelismo psicofísico, em que "a ordem e a conexão das ideias são as mesmas que a ordem e a conexão das coisas" (prop. 7/2). Além disto, “tudo o que acontece no objeto da idria que constituindo a Alma humana deve ser percebido por esta Alma; em outras termos, uma ideia é necessariamente dada nela” (prop. 12/2); o objeto da ideia constituindo a Alma humana sendo o Corpo.
Se o Corpo, a physis humana, fosse simples, a ideia que teria a Alma, a psique humana, o seria igualmente: o homem teria um conhecimento adequado de si. Mas, como vimos, para Groddeck e Espinosa, o Corpo Humano não é simples mas "composto por um número muito grande de indivíduos (de natureza diversa), dos quais cada um é muito composto" (postulado 1/2). Portanto, segue-se que "a ideia que constitui o ser formal da Alma humana não é simples, mas composta por um número muito grande de ideias" (prop. 15/2). O Isso humano é composto de uma multiplicidade de Isso, o que faz com que a causa de um fenômeno não seja simples, mas complexa, a ponto de o homem nunca ter dele mais do que um conhecimento fragmentário.
Também resulta desta multiplicidade que o homem pode ser afetado pelo mesmo objeto de várias maneiras, e que vários objetos podem afetá-lo da mesma maneira, finalmente, que os "indivíduos" que compõem o Corpo humano podem despertar na Alma humana a ideia de objetos ausentes: um objeto que já foi associado por um outro "indivíduo" a outro objeto, agora ausente, despertando nesse "indivíduo" a ideia deste objeto, que ele se "representa". A natureza composta de sua psique e de sua physis leva o homem a "imaginar": o induz a um conhecimento inadequado, que acordar por associação de ideias uma existência presente a coisas ausentes.
Original
« J’entends par cause de soi ce dont l’essence enveloppe l’existence; autrement dit, ce dont la nature ne peut être conçue sinon comme existante.
« J’entends par substance ce qui est en soi et est conçu par soi : c’est-à-dire ce dont le concept n’a pas besoin du concept d’une autre chose, duquel il doive être formé.
« J’entends par attribut ce que l’entendement perçoit d’une substance comme constituant son essence.
« J’entends par mode les affections d’une substance, autrement dit ce qui est dans une autre chose, par le moyen de laquelle il est aussi conçu.
« Cette chose est dite libre qui existe par la seule nécessité de sa nature et est déterminée par soi seule à agir : cette chose est dite nécessaire ou plutôt contrainte qui est déterminée par une autre à exister et à produire quelque effet dans une condition certaine et déterminée. »
Ces définitions de Spinoza (Éthique, partie 1 [2]) s’appliquent si parfaitement aux conceptions groddeckiennes du ça, du moi et de leurs rapports, qu’elles permettent de dégager le « système » métaphysique qui sous-tend et justifie les affirmations et les positions de Groddeck.
Le terme « ça », avec sa signification déjà constituée, apparaît dans les écrits de Groddeck avant que celui-ci ait découvert la psychanalyse : il est utilisé dès 1909, mais conjointement encore avec le terme Dieu-Nature, qui nous révèle où s’est formée la pensée de Groddeck.
Le terme de Dieu-Nature — c’est-à-dire le concept du ça — est emprunté aux vers suivants de Gœthe : « Was kann der Mensch im Leben mehr gewinnen /als dass sich Gottnatur ihm offenbare/ : Wie sie das Feste lässt zu Geist verrinnen,/wie sie das Geistgezeugte fest bewahre » (L’homme, que peut-il gagner de plus dans la vie, sinon qu’à lui [25] Dieu-Nature se révèle : comment elle fait se liquéfier en esprit ce qui est solide, comment elle conserve solidement ce que l’esprit a créé) ; et ces vers reprennent eux-mêmes les idées du Fragment sur la Nature, écrit par Gœthe après l’étude de L’Éthique; ce qui explique la singulière parenté entre le ça et la substance. Groddeck se forme à Spinoza tel que l’a « informé » Gœthe.
Quant à la dialectique du ça, elle se trouve définie dans deux autres textes de Gœthe, auxquels Groddeck, même après sa découverte de la psychanalyse, continue à se référer : le West-Östlicher Diwan, qui contient le vers-concept fondamental « Stirb und werde » (Meurs et deviens, in Selige Sehnsucht, Nostalgie extatique), et —faut-il dire, naturellement? — le Second Faust. Nietzsche, contrairement à ce qu’avance Freud, n’a donc pas été déterminant dans le choix du terme « ça », pour ce qui est de sa signification du moins, même si le Zarathoustra, par l’affirmation de la loi de l’éternel retour, imprègne spécifiquement le « spinozisme » de Groddeck, comme il imprègne « cryptomnésiquement » toute la psychanalyse.
Groddeck le réaffirme sans cesse (cf. Le Livre du ça, Du ça, Le ça et la psychanalyse, etc.) : le ça est éternel et infini, immuable et indivisible. Il est le principe de vie, qui agit toute chose, détermine sa création et sa destruction, sans jamais « naître » ni « mourir » avec elle : « Dieu est cause immanente mais non transitive de toutes choses » (Éthique, prop. 18/1). Le ça n’est donc pas identique à sa création, il en diffère essentiellement : l’essence des choses produites par Dieu n’enveloppe pas l’existence nécessaire, tandis que l’essence de Dieu enveloppe son existence. En d’autres termes, « tout ce qui est, est en Dieu et rien ne peut sans Dieu ni être ni être conçu » (prop. 15 /1 ) : tout ce qui existe est « nature naturée », qui manifeste ce qui n’est pas elle, la « nature naturante ».
Les attributs du ça — comme ceux de la substance — sont la pensée et l’étendue, dont la psyché et la physis humaines sont les modifications. Le rapport entre le moi et le ça est celui que pose Spinoza entre l’homme et Dieu: « Il suit de là que l’essence de l’homme est constituée par certaines modifications des attributs de Dieu. Car l’être de la substance n’appartient pas à l’essence de l’homme. Elle est donc quelque chose qui est en Dieu et qui sans Dieu ne peut ni être ni être conçu, autrement dit une affection ou un mode qui exprime la nature de Dieu d’une manière certaine et déterminée » (coroll. prop. 10 /2).
Pour Spinoza, « de la nécessité de la nature divine doivent [26] suivre en une infinité de modes une infinité de choses, c’est-à-dire tout ce qui peut tomber sous un entendement infini » (prop. 16/1) ; et de toutes ces choses qui s’actualisent dans la durée, l’idée est donnée dans la substance éternelle, qui est instantanéité. Il y a existence simultanée de Dieu dans son infinitude et sa fnitude : dans ses attributs et leurs modifications, qui n’en altèrent pas l’essence.
Cette existence simultanée de la substance dans son infinitude naturante— comme être éternel — et dans sa finitude naturée — comme paraître temporel — résout l’apparente contradiction des deux affirmations constantes de Groddeck : comme quoi le ça est par définition apersonnel, immuable, indivisible et atemporel, toute postulation d’un ça personnel, historique, « sexionné » étant donc un non-sens, un concept fictif ; et comme quoi l’être humain est constitué, vécu par un ça particulier, qui lui-même n’est pas simple mais composite à l’infini, puisque chaque organe, et chaque cellule de l’organe a un ça particulier, qui établit ses relations spécifiques avec l’homme et l’univers. Pour chaque paraître déterminé, un être lui-même déterminé est donné dans l’être déterminant en tant qu’il s’exprime dans ce paraître.
La coexistence des deux termes, dont le premier est intransitif et le second, transitif, définit la nature de la « réalité » selon Groddeck: comme un symbole, un paraître passif qui renvoie à un être actif ; où le paraître est toujours « sexionné » — amputé de son terme originel —, où l’être est l’indivis-dualité. L’exercice analytique est alors, effectivement, « approche » du ça: par le décryptage du paraître, ou symbole, saisie du ça déterminé qui s’y exprime comme l’expression lui-même du ça déterminant.
Le ça — comme la substance — en tant que cause de soi est libre, mais non pas « volontaire »: la volonté en effet, comme libre arbitre, est arbitraire — un choix entre des possibles équivalents, dont certains sont éliminés, d’où il résulterait une imperfection, une non-totalité du ça, qui pourrait être autrement qu’il n’est —. Le ça, en tant qu’idée infinie, agit selon la nécessité de sa propre nature, qui est perfection et le ça, en tant qu’idée finie, agit à chaque fois déterminé absolument par une autre idée finie, elle-même déterminée: il ignore également la volonté. Et c’est précisément cette impossibilité d’une volonté qui pour Groddeck, comme pour Spinoza, rend possible la connaissance, l’analyse : c’est ce déterminisme rigoureux qui permet à l’analyste de retrouver pour tout phénomène, en l’occurrence le symptôme, la cause dont il est l’effet.
[27] La pensée et l’étendue, comme les attributs de la substance, du ça, expriment toujours la même substance unique, le ça; de même, la psyché et la physis humaines, comme modes de ces attributs, sont toujours une seule et même chose, mais exprimée en deux manières (scolie prop. 7/2). Le monisme de Groddeck, en fait, est un parallélisme psychophysique, où « l’ordre et la connexion des idées sont les mêmes que l’ordre et la connexion des choses » (prop. 7/2). Aussi, « tout ce qui arrive dans l’objet de l’idée constituant l’Âme humaine doit être perçu par cette Âme; en d’autres termes, une idée en est nécessairement donnée en elle » (prop. 12/2) ; l’objet de l’idée constituant l’Âme humaine étant le Corps.
Si le Corps, la physis humaine, était simple, l’idée qu’en aurait l’Âme, la psyché humaine, le serait également : l’homme aurait une connaissance adéquate de soi. Mais, nous l’avons vu, pour Groddeck comme pour Spinoza, le Corps humain n’est pas simple mais « composé d’un très grand nombre d’individus (de diverse nature) dont chacun est très composé » (postulat 1/2); il est une collectivité complexe. « Les individus composant le Corps humain sont affectés, et conséquemment le Corps humain lui-même est affecté, d’un très grand nombre de manières par les corps extérieurs » (postulat 3/2). D’où il suit que « l’idée qui constitue l’être formel de l’Âme humaine n’est pas simple, mais composée d’un très grand nombre d’idées » (prop. 15/2). Le ça humain est composé d’une multiplicité deçà, qui fait que la cause d’un phénomène n’est pas simple, mais complexe, au point que l’homme ne peut jamais en avoir qu’une connaissance fragmentaire.
Il résulte aussi de celte multiplicité que l’homme peut être affecté par un même objet de diverses manières, et que divers objets peuvent l’affecter d’une même manière, enfin, que les « individus » composant le Corps humain peuvent éveiller en l’Âme humaine l’idée d’objets absents: un objet une fois associé par un autre « individu » à un autre objet, maintenant absent, éveillant en cet « individu » l’idée de cet objet, qu’il se « représente ». La nature composite de sa psyché et de sa physis pousse l’homme à « imaginer » : l’induit à une connaissance inadéquate, qui consiste à accorder par association d’idées une existence présente à des choses absentes.
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