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Epicteto: Felicidade e Ataraxia

domingo 1º de setembro de 2024

  

Excertos de Epicteto  , Manual, trad. do grego de D. Frei António de Sousa, bispo de Viseu, ed. de 1785, pp. 1-151.

Não devemos ter medo nem da pobreza, nem do exílio, nem da prisão, nem da morte. Mas devemos ter medo do medo. Epicteto

Das coisas que há no mundo, umas estão em nossa mão e outras não. Em nossa mão estão a opinião, a suspeita, o apetite, o aborrecimento, o desejo e, numa palavra, todas as obras que são nossas.

Não estão em nossa mão o corpo, a fazenda, nem a honra [reputação], nem o senhorio, nem em efeito nenhuma das que não são obra nossa.

As coisas que estão em nossa mão, de sua natureza são livres e senhoras sem impedimento nem embaraço. E as que não estão em nossa mão, de si são fracas, servis, embaraçadas e sujeitas.

Pois olha que, se tiveres por livre o que de sua natureza não o for, e por teu o que em efeito não o é, haverás de embaraçar-te, e lamentar-te, e queixar-te dos deuses e dos homens. Mas se só o que é teu tiveres por tal, e por alheio, como o é, o que não é teu, não haverá nunca quem te faça força; a ninguém acusarás; de ninguém te queixarás; nenhuma coisa farás contra tua vontade; não terás nenhum inimigo; ninguém te fará mal; nem receberás nenhum dano nem perda.

Se vires algum homem muito honrado, ou poderoso, ou por qualquer outra via engrandecido, olha que não te deixes levar daquelas aparências e o tenhas por bem-aventurado; porque se a importância, e ser do sossego se puder ser no que está em nossa mão, nem a inveja, nem a emulação terão lugar em nada; e tu mesmo, antes que ser imperador, cônsul, nem senador, tomarias ser livre e senhor de ti mesmo: para o que há um só caminho, que é o desprezo de todas as coisas que não estão em nossa mão.

Traze sempre diante dos olhos a morte, desterros e tudo que se tem por trabalho, e mais que tudo a morte. E com isto nem terás nenhum pensamento baixo, nem desejarás nada com muita força.

Das coisas que servem ao corpo não se há-de tomar mais de quanto convenha para o ânimo; como de comer, beber, vestido, e casa, e serviço: o que não serve senão de vaidade, ou de delicias, deita-o de ti.

Quando algum te fizer mal, ou disser de ti, lembra-te que cuidava que fazia bem naquilo, e assim lhe pareceu; porque não pode ser que ele siga o teu entendimento, senão o seu. E se ele julga mal de tuas coisas, sua é a perda, pois que vive enganado. Porque se um julga a verdade por mentira, não é por isso ofendida a verdade, senão o que a não conheceu. Com esta consideração sofrerás com ânimo o que disser mal de ti, e a tudo dirás: assim lhe pareceu a ele.

Se a razão, que deve regular todas as coisas, é desregrada, quem a regulará a ela?