Vergonha (sentimento de) (aidôs)

No Eutífron, um diálogo da fase inicial, o leitor mal pressente algo da extraordinária importância que aidôs tinha tanto na ética grega em geral quanto em Platão. Quando no diálogo se pergunta se todas as coisas pias são justas, ou todas as justas são pias, ou se todas as coisas pias são justas, mas nem todas as coisas justas são pias, trata-se inicialmente apenas de explicar ao ingênuo Eutífron o problema das variadas extensões conceituais. No verso de Stasino citado nesse contexto, temor e vergonha parecem ser sinônimos. Sócrates contradiz isso, pois a doença e a pobreza são coisas que muitos temem, mas das quais não se envergonham (Eutíf. 12b). No entanto, a vergonha sempre inclui o medo — a saber, o medo da “reputação de vileza”. Portanto, vergonha parece ser também uma parte do conceito de “medo”, como o ímpar é parte dos números. Platão define o conceito de aidôs sempre em coordenação com o conceito de medo, não apenas no sentido de uma mera subespécie. Platão busca saber em que consiste a aidôs e onde se origina.

Em relação ao pano de fundo geral, Platão está em concordância até mesmo com a sofistica: no mito de Protágoras sobre o surgimento da cultura, a mera aglomeração de pessoas nas cidades fundadas não é suficiente; para a ordem, a coesão e a simpatia, são necessários “moralidade e senso de justiça” (como Eigler traduz “aidô te kai dikên”, Prot. 322c). Estes, diferentemente das outras “artes”, não são distribuídos individualmente, mas são comuns a todos os homens. As cidades (ver polis) não poderíam, como Protágoras faz Zeus dizer, existir sem a participação geral dos cidadãos em ambos. Ainda nas Leis, o ateniense apresenta um mito segundo o qual Cronos, como governante das cidades, institui a raça dos daimones-, estes teriam conferido aos homens “paz e respeito e boa lei e abundância de justiça” (Leis 713e). No entanto, Platão considera uma falácia fatal concluir do significado geral não só a desnecessidade da instrução moral, assim como a difusão geral. Ainda que a comunidade não possa subsistir sem aidôs, ela deriva apenas da paideia. [SHÄFER]