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archon
ἄρχων

  

Hans Jonas

O universo, o domínio dos Arcontes, é como uma enorme prisão onde a masmorra mas interior é a terra, a cena da vida do homem. Em volta e acima disto as esferas cósmicas se alinham como casacas concêntricas envelopantes. Frequentemente há as sete esferas dos planetas cercadas pela oitava, aquela das estrelas fixas. Havia, entretanto, uma tendência a multiplicar as estruturas e fazer o esquema mais e mais extensivo: Basilides contava não menos que 365 “céus”. A significância religiosa desta arquitetura cósmica jaz na ideia que tudo que intervém entre aqui e o além serve para separar o homem de Deus, não meramente pela distância espacial mas através de força demoníaca ativa. Assim a vastidão e a multiplicidade do sistema cósmico exprime o grau ao qual o homem é removido de Deus.

As esferas são os assentos dos Arcontes, especialmente dos “Sete”, ou seja, dos deuses planetários tomados emprestados do panteão babilônico. É significante que estes são frequentemente chamados por nomes do AT para Deus (Iao, Sabaoth, Adonai, Elohim, El, Shaddai), os quais sendo sinônimos do Deus uno e supremo são por esta transposição transformados em nomes próprios dos seres demoníacos inferiores — um exemplo das reavaliação pejorativa a qual o Gnosticismo   submeteu as tradições antigas em geral e a tradição judaica em particular. Os Arcontes coletivamente regem o mundo, e cada um individualmente em sua esfera é o guardião da prisão cósmica. Sua lei universal tirânica é chamada heimarmene, Destino universal, um conceito tomado da Astrologia mas agora tingido com o espírito gnóstico anticósmico. Em seu aspecto físico esta lei é a lei da natureza; em seu aspecto psíquico, que inclui por exemplo a instituição e aplicação da Lei Mosaica, visa a escravização do homem. Como guardião de sua esfera, cada Arconte barra a passagem das almas que buscam ascender depois da Morte, a fim de impedir sua fuga do mundo e seu retorno a Deus. Os Arcontes são também criadores do mundo, exceto onde este papel é reservado para seu líder, que então tem o nome de Demiurgo (o artífice do mundo no Timeu   de Platão) e é frequentemente pintado com as características distorcidas do Deus do AT. [JonasRG  ]

Madeleine Scopello

Poderes maus circulando ao redor do demiurgo e regendo a esfera inferior. Serão destruídos com a chegada do Salvador. — O Arconte ou Primeiro Arconte: chefe dos arcontes, o próprio demiurgo. (trad. Antonio Carneiro  )

Simone Pétrement

De acordo com os autores do NT, particularmente de acordo com Paulo, o mundo é dominado por “poderes”, que normalmente se afiguram como maus ou pelo menos ignorantes. Paulo frequentemente fala de certas “autoridades”, as quais parece atribuir o domínio do mundo e que sustenta como sendo mais ou menos inimigas de Cristo e dos cristãos. Fala, por exemplo, dos “regentes desta era” (era = éon do gr. aion), que não conheceram a Sabedoria de Deus e que por causa de sua ignorância “crucificaram o Senhor de glória”. Fala em outra parte dos “regentes desta escuridão presente”. Claramente está se referindo aos poderes que regem sobre o mundo. Algumas vezes fala, mais vaga e misteriosamente, de “principalidades” (archai), de “domínios” ou “autoridades” (exousiai), de poderes (dynameis) e de “senhorios” (kyriotetes). Na Epístola aos Efésios estes poderes estão ligados aos “regentes do mundo”. Em outras epístolas, pode ser visto que foram vencidos pela crucificação de Cristo e que serão destruídos por ele até ainda mais no fim do mundo. Certamente na Epístola aos Colossenses é dito que que foram criados pelo Cristo e para ele (como todas as coisas criadas) e que ele é sua “cabeça”; mas é aparente que num dado momento se perderam, pois nesta mesma epístola ele teve que superá-los. Paulo também fala de anjos, e estes anjos algumas vezes parece ser poderes cósmicos. Também fala de “chamados deuses” cuja divindade, mas não existência, nega. Sem dúvida, é também necessário reconhecer poderes cósmicos de certo tipo nos “espíritos elementais”, que Paulo parece assimilar aos deuses nas Epístolas aos Gálatas,e aos anjos na Epístola aos Colossenses. Finalmente, outras expressões paulinas podem ser citadas que parecem relacionar-se aos poderes cósmicos invisíveis, e dificilmente se encontra uma epístola onde este tipo de ser não apareça em uma forma ou outra.

Não se tem dúvida que Paulo se refere a tipos de seres além do mundo conhecido. Deve-se lembrar também que na Septuaginta   os nomes usados para poderes, autoridades, principalidades e regentes referem-se a seres angélicos. Por vezes Paulo parece dar aos poderes um cabeça, e substituí-los por um único poder, o que nos faz lembrar o “príncipe do mundo” (literalmente archon do mundo) do quarto Evangelho.

Outros autores do NT também referem-se aos poderes cósmicos, ou espécies de anjos regentes. No Evangelho de Lucas   no relato das Tentações de Jesus, considera-se que o tentador é regente do mundo por sua própria afirmação; ideia também expressa em Mateus  . Lucas vai mais além aceitando que Satã tem sua morada no céu acima da terra. Ideia similar no Quarto Evangelho, falando do regente do mundo, e no Apocalipse, onde o diabo (o dragão) é retirado do céu com seus anjos e jogado na terra depois que a criança, ou seja Cristo, foi trazido aos céus, “os anjos, domínios e poderes foram submetidos a ele”.

Para os cristão da época os poderes eram obviamente maus. Assim sendo para os autores do NT o mundo é dominado por forças visíveis e invisíveis que são mais más que boas. A presença desta concepção em seu pensamento não admite dúvidas. Deste modo se estabeleceu a visão de que a redenção está intimamente ligada com a vitória de Cristo sobre os poderes regentes do mundo, ou seja com a imagem do Christus victor.