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Centro do Mundo

terça-feira 30 de abril de 2024

  

O grito do neófito kwakiutl: "Estou no Centro do Mundo!", revela nos, de imediato, uma das mais profundas significações do espaço sagrado. Lá onde, por meio de uma hierofania,-se efetuou a rotura dos níveis, operou-se ao mesmo tempo uma "abertura" em cima (o mundo divino) ou embaixo (as regiões inferiores, o mundo dos mortos). Os três níveis cósmicos – Terra, Céu, regiões inferiores – tornaram-se comunicantes. Como acabamos de ver, a comunicação às vezes é expressa por meio da imagem de uma coluna universal, Axis mundi, que liga e sustenta o Céu e a Terra, e cuja base-se encontra cravada no mundo de baixo (que se chama "Infernos"). Essa coluna cósmica só pode situar-se no próprio centro do Universo, pois a totalidade do mundo habitável espalha-se à volta dela. Temos, pois, de considerar uma sequência de concepções religiosas e imagens cosmológicas que são solidárias e se articulam num "sistema", ao qual se pode chamar de "sistema do Mundo" das sociedades tradicionais: (a) um lugar sagrado constitui uma rotura na homogeneidade do espaço; (b) essa rotura é simbolizada por uma "abertura", pela qual se tornou possível a passagem de uma região cósmica a outra (do Céu à Terra e vice-versa; da Terra para o mundo inferior); (c) à comunicação com o Céu é expressa indiferentemente por certo número de imagens referentes todas elas ao Axis mundi: pilar (cf. a universalis columna), escada (cf. a escada de Jacó), montanha, árvore, cipós etc.; (d) em torno desse eixo cósmico estende-se o "Mundo" ("nosso mundo") – logo, o eixo encontra-se "ao meio", no "umbigo da Terra", é o Centro do Mundo.

Um grande número de mitos, ritos e crenças diversas deriva desse "sistema do Mundo" tradicional. Não é o caso de citá-los aqui. Parece nos mais útil limitar nos a alguns exemplos, escolhidos entre civilizações diferentes, e que podem nos fazer compreender o papel do espaço sagrado na vida das sociedades tradicionais – qualquer que seja, aliás, o aspecto particular sob o qual se apresente esse espaço: lugar santo, casa cultual, cidade, "Mundo". Encontramos por toda a parte o simbolismo do Centro do Mundo, e é ele que, na maior parte dos casos, nos permite entender o comportamento religioso em relação ao "espaço em que se vive".

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O mesmo simbolismo do Centro explica outras séries de imagens cosmológicas e crenças religiosas, entre as quais vamos reter as mais importantes: (a) as cidades santas e os santuários estão no Centro do Mundo; (b) os templos são réplicas da Montanha cósmica e, consequentemente, constituem a "ligação" por excelência entre a Terra e o Céu; (c) os alicerces dos templos mergulham profundamente nas regiões inferiores. Alguns exemplos serão suficientes. Em seguida trataremos de integrar todos esses diversos aspectos de um mesmo simbolismo; veremos então mais claramente como são coerentes essas concepções tradicionais do Mundo.

A capital do soberano chinês perfeito encontra-se no Centro do Mundo: aí, no dia do solstício do verão, ao meio dia, o gnomo não deve ter sombras. É surpreendente encontrar o mesmo simbolismo aplicado ao Templo de Jerusalém: o rochedo sobre o qual se erguia o templo era o "umbigo da Terra". O peregrino islandês Nicolau de Thvera, que visitara Jerusalém no século XIII, escreveu acerca do Santo Sepulcro: "É ali o meio do Mundo; ali, no dia do solstício do verão, a luz do Sol cai perpendicular do Céu". A mesma concepção no Irã: a região iraniana (Airyanam Vaejab) é o centro e o coração do Mundo. Tal como o coração-se encontra no meio do corpo, "o país do Irã é mais precioso que todos os demais países porque está situado no meio do Mundo". É por isso que Shiz, a "Jerusalém" dos iranianos (por-se encontrar no Centro do Mundo), era reputada como o lugar original do poder real e, ao mesmo tempo, a cidade onde Zaratustra nascera". [Eliade  ]


Do ponto de vista cosmogônico, o "Centro do Mundo" é o ponto original em que é proferido o Verbo Criador, assim como o próprio Verbo. [Guénon]

Ver online : René Guénon