Página inicial > Sophia Perennis > Tao

Tao

terça-feira 30 de abril de 2024

  

"Um (aspecto) yin, um (aspecto) yang, eis aí o Tao", está escrito num pequeno tratado. A transformação ininterrupta do Universo pela alternância entre o yang e o yin manifesta, por assim dizer, o aspecto exterior do Tao. Mas, desde que se tente apreender a estrutura ontológica do Tao, esbarra-se em inúmeras dificuldades. Lembremos que o sentido próprio do vocábulo é "caminho, via", mas ele significa também "dizer", donde o sentido de "doutrina". Tao "evoca antes de tudo a imagem de um caminho que se há de seguir" e "a ideia de direção de conduta, de regra moral", mas também "a arte de pôr em comunicação o Céu e a Terra, as forças sagradas e os homens", o poder mágico-religioso do adivinho, do feiticeiro e do rei. Para o pensamento filosófico e religioso comum, o Tao é o Princípio de ordem, imanente em todos os domínios do real; dessa maneira, fala-se do Tao celeste e do Tao da Terra (que se opõem mais ou menos como o yang e o yin), e do Tao do Homem (isto é, os princípios de conduta que, no caso do rei, tornam possível a sua função de intermediário entre o Céu e a Terra).

Algumas dessas significações derivam da noção arcaica da unidade/totalidade original, em outras palavras, de uma concepção cosmogônica. As especulações de Lao-tsé sobre a origem do mundo são solidárias de um mito cosmogônico que relata a Criação a partir de uma totalidade comparável a um ovo. No capítulo 42 do Tao-te-king, pode-se ler: "O Tao gerou Um. Um gerou Dois. Dois gerou Três. Três gerou os dez mil seres. Os dez mil seres carregam o Yin em suas costas e abraçam o Yang." Percebe-se em que sentido Lao-tsé utilizou um mito cosmogônico tradicional, acrescentando-lhe, porém, nova dimensão metafísica. O "Um" é o equivalente do "total"; refere-se à totalidade primordial, tema familiar a tantas mitologias. O comentário explica que a união entre o Céu e a Terra (i.e., "Dois") deu origem a tudo o que existe, segundo um argumento mitológico igualmente bem conhecido. Contudo, para Lao-tsé, "Um", a unidade/totalidade primitiva, já representa uma etapa da "criação", pois foi gerada por um Princípio misterioso e inapreensível, o Tao.

Em outro fragmento cosmogônico (cap. 25), o Tao é designado como "um ser indiferenciado e perfeito, nascido antes do Céu e da Terra... Podemos considerá-lo a Mãe deste mundo, mas ignoro-lhe o nome; chamar-lhe-ei Tao e, se for mister dar-lhe um nome, tal nome será o Imenso (ta)". O ser "indiferenciado e perfeito" é interpretado por um hermeneuta do século II a.C. como: "a misteriosa unidade do Céu e da Terra, que constitui, de maneira caótica (huen-tuen), a condição do bloco de pedra não-trabalhado". O Tao é, portanto, uma totalidade primordial, viva e criadora, mas sem forma e sem nome. "O que não tem nome é origem do Céu e da Terra. O que tem nome é Mãe dos dez mil seres", como está escrito em outro fragmento cosmogônico (capítulo 1, 3-7). No entanto, a "Mãe", que, nesse passo, representa o começo da cosmogonia, designa em outros trechos o próprio Tao. "A divindade do Vale não morre: é a Fêmea Obscura. A porta da Fêmea Obscura, eis a origem do Céu e da Terra."

A inefabilidade do Tao é também expressa por outros epítetos e por outras noções que prolongam, ao mesmo tempo em que a matizam, a imagem cosmogônica primeira, o Caos (huen-tuen). Lembremos as mais importantes: o Vazio (hsü), o "nada" (wu), o Grande (ta), o Um (i) 63. Voltaremos a alguns desses termos quando analisarmos a doutrina de Lao-tsé. Convém, porém, mencionarmos desde já que os filósofos taoistas, assim como os eremitas e os iniciados que buscam a longevidade e a imortalidade, procuraram restabelecer essa condição paradisíaca, particularmente a perfeição e a espontaneidade originais. Poder-se-ia descobrir nessa nostalgia da situação primordial uma nova expressão do velho argumento agrário, que suscitava ritualmente a "totalização" por meio da união coletiva ("caótica") de rapazes e moças, representantes do Yang e do Yin. O elemento essencial, comum a todas as escolas taoistas, era a exaltação da condição humana primitiva, existente antes do triunfo da civilização. Ora, era justamente contra esse "retorno à Natureza" que se levantavam todos quantos queriam instaurar uma sociedade justa e policiada, governada pelas normas e inspirada pelos exemplos de reis fabulosos e heróis-civilizadores. [HCIR]


Na tradição extremo-oriental, a palavra Tao, cujo sentido literal também é "Caminho", serve para designar o Princípio supremo; e o ideograma que o representa é formado pelos signos da cabeça e dos pés, que equivalem ao alfa e ao ômega. [Guénon]

Ver online : René Guénon