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método tradicionalista

terça-feira 30 de abril de 2024

  

A questão do método — a seguir, quando se quer expor o esoterismo — é colocada diferentemente, segundo o objetivo que se fixa. Se existe uma finalidade simplesmente histórica, pedagógica, deve-se seguir o clássico método histórico-crítico, e a dificuldade advém disso: não falaremos de tudo exceto do essencial, acumularemos datas e fatos em vez de apresentarmos ideias, experiências? Se se toma uma finalidade filosófica, iniciática, deve-se seguir o método próprio dos esoteristas, e a dificuldade se torna a seguinte: adentra-se numa lógica que não é universalmente aceita, utiliza-se um método que é o contrário de um método pois ele mantém os segredos, as provas. Encontra-se diante de uma escolha, um Y, diziam os pitagóricos. A questão é colocada brutalmente para o próprio esoterismo.

Há esoterismos, o esoterismo é. Como admitir esoterismos distintos no interior de um só e mesmo Esoterismo? O problema é suscitado pelo esoterismo no momento em que ele conhece um outro esoterismo além do seu. Admitir que há esoterismos é bem mais constrangedor do que admitir que há filosofias, pois a filosofia se quer somente na busca da verdade, enquanto o esoterismo se apresenta como detenção do segredo. De que modo estudar os esoterismos como um esoterismo?

A solução consiste, para o esoterista, em dizer que as ideias convergem. Ele constrói passarelas entre os diferentes esoterismos, vê através das portas, passa sobre as barreiras delimitando aqui o esoterismo dos gnósticos  , lá o esoterismo dos hesicastas, mais além o esoterismo dos alquimistas chineses. Ele vê o que opõe o esoterismo A ao esoterismo B; no entanto, crê em uma comunhão de experiência e de visão. Mas até aonde iria essa comunhão? Ela poderia existir? Qual é o seu fundamento? E seus argumentos? Existe a perfeita identidade dos esoterismos? Trata-se de uma Verdade em múltiplas expressões? Trata-se de semelhanças?

Heródoto foi o primeiro a traçar um paralelo entre os mistérios gregos e os ’mistérios’ egípcios. O problema se colocava de antemão: saber se o vocábulo ’mistério’ convinha às iniciações gregas e às cerimônias egípcias. O método dos paralelos foi imposto à escola alexandrina (neopitagórica e neoplatônica), à cabala   cristã (a partir de Pico della Mirandola  ), ao neo-ocultismo (Eliphas Lévi, Papus), prioritariamente, mas de fato a todos os esoteristas. Ele se impunha nos momentos em que os esoterismos encontravam os outros esoterismos graças ao trabalho da população e às pesquisas eruditas. A escola alexandrina descobriu que os esoteristas imitavam uns aos outros, e que cada iniciado fora instruído por aqueles que o precederam ou pelos que lhe foram contemporâneos; para Numênio de Apameia, o esoterismo platônico não é diferente do esoterismo pitagórico: "Platão   pitagorizava..." (Des secrets de Platon: fragments — Os segredos de Platão: fragmentos —, n. 24, Les Belles Lettres, 1973, p. 64) A cabala cristã vai mais longe ao fazer uma revelação única transmitida pelos grandes sábios; para Pico della Mirandola (Conclusiones, sive theses publice disputandae (1486), Genebra, Droz, 1973 — a obra ainda não tem tradução), "esse que entre os cabalistas (kabalistas) é chamado Hochman (Hokhmah) é sem dúvida aquele que Orfeu chama de Palas; Zoroastro, a inteligência paternal; Mercúrio, o filho de Deus; Pitágoras, a Sabedoria; e Parmênides  , a esfera inteligível". Entre os dois grandes neo-ocultistas, Eliphas Lévi e Papus, Helena Petrovna Blavatsky vai buscar a origem da primeira Sabedoria para o subterfúgio do ecleticismo: "Este livro (A doutrina secreta) não é a doutrina secreta em sua totalidade, mas apenas fragmentos selecionados dos seus princípios fundamentais (...). Esses ensinamentos, tão fragmentários e incompletos contidos nesses volumes, não pertencem exclusivamente nem às religiões hindus, zoroástricas, caldeias ou egípcias; nem tampouco ao budismo, ao islamismo, ao judaísmo ou ao cristianismo. A doutrina secreta é a essência de todas elas" (La doctrine secrète — A doutrina secreta —, t. I (1888), trad. do ing. (1889), Éd. Adyar, 1965, p. X). Hesita-se entre o elogio da modéstia ou o espanto diante da vaidade.

Esse método colocando em acordo os esoterismos foi então utilizado de imediato, mas não foi formulado explícita e claramente a não ser pelos tradicionistas, isto é, por R. Guénon, J. Evola  . Na Introduction genérale à l’étude des doctrines hindoues (1921; Introdução geral ao estudo das doutrinas hindus), Guénon ataca com vigor os orientalistas, os historiadores, os especialistas, mas também a vulgarização, a instrução obrigatória (Éd. Vega, p. 264), e ele se mantém no hinduísmo. Com Le symbolisme de la croix   (1931; O simbolismo da cruz), adota vários esoterismos, o que o levou a "assinalar, logo que a ocasião se apresentou, as concordâncias dessa doutrina (o Vedanta) com outras formas tradicionais" (Union Générale d’Éditions, col. 10/18, n. 479, 1970, p. 44). "As concordâncias entre todas as formas tradicionais representam, pode-se dizer, as sinonimias reais, acrescenta ele (Ibid., p. 47). Evola foi mais claro ainda (Evola, Le mystère du Graal — 1937; O mistério do Graal —, trad. do it., Éditions Traditionnelles, 1963, p. 19.): "A característica do método que, em oposição ao método profano — empírico ou crítico-intelectual — das pesquisas modernas, denominamos ’tradicional’ é destacar o caráter universal de um símbolo ou de um ensinamento, relacionando-o com outros símbolos correspondentes pertencentes a outras tradições, a fim de estabelecer a presença de algo superior e anterior a cada uma dessas formulações, diferentes entre si, mas no entanto equivalentes (...). Existem realidades de uma ordem superior, metafísica, diversamente sugeridas pelo símbolo ou pelo mito". O final dessa citação evoca Platão, mas o início corresponde bem a Guénon.

É necessário distinguir vários casos de concordância. Há, primeiramente, as concordâncias que os esoteristas estabelecem entre elementos de um mesmo conjunto. Essas concordâncias são as similitudes. Trata-se de sinônimos: mesmo sentido, aparência diferente. Poderá ser observada uma similitude cada vez que, no interior do todo, se possa considerar como idênticas as partes distintas. Em A, a e b se equivalem, abstratamente falando. Guénon tem por sinônimos semanticamente a rosa e o lírio (R. Guénon, Symboles fondamentaux de la science sacrée — post., 1962; Símbolos da ciência sagrada —, Gallimard, col. Tradition, p. 96), no quadro da tradição ocidental; Evola vê uma mesma significação e uma mesma intenção no interior da lenda do Graal, nas "genealogias dos reis do Graal, de Lohengrin, de Artur, do padre Jean, de Elias etc" (Evola, op. cit., p. 22). Em seguida temos as concordâncias que os esoteristas percebem entre os elementos de conjuntos distintos. Essas concordâncias são as homologías. Um elemento a de um conjunto A seria idêntico (quanto à ideia) a um elemento a de um conjunto B. Assim, J. Evola insiste na analogia ligando o kaliyuga (Idade Sombria) dos hindus à Idade dos Lobos dos nórdicos (Révolte contre le monde moderne — 1969; Revolta contra o mundo moderno —, trad., Québec, Éd. de L’Homme, 1972.), e Guénon sustenta que "a Shekinah (Shekhinah) é em suma o equivalente da Shakti" (Ibid., p. 343) ele expõe "a equivalência do machado com o vajra" (Ibid., p. 132). Existe enfim a concordância dos dois conjuntos: as equivalências. Para um esoterista, um conjunto A pode ter o mesmo sentido que um conjunto B submetendo-se portanto a outros mecanismos, com outras aparências. Tem-se uma identidade estrutural. Guénon reconhecia no taoismo o correspondente chinês do sufismo. Aívanhov tem por equivalentes as três grandes artes ocultas, alquimia  , astrologia, magia, não muito distantes umas das outras: a alquimia trabalha com o calor; a astrologia, com a luz; a magia, com o movimento.

Uma questão filosófica se impõe: qual é o pressuposto ou a implicação de tal método? O sistema de concordâncias supõe uma concepção ’perenialista’ do pensamento. A metafísica tem seu lugar na eternidade. Enquanto os críticos procuram as influências, a difusão, as fontes, o esoterista enuncia implícita ou explicitamente um centro único de verdade. Mas qual é esse centro? Aqui surgem divergências entre os partidários da convergência. Um homem como Guénon, tradicionista, procura a unidade das ideias na unicidade de uma origem que ele não diz claramente se é mística ou histórica: "Quando se encontra por toda a parte tais concordâncias, não existe aí mais do que um simples indício da existência de uma tradição primordial?" (Révolte contre le monde moderne, op. cit., p. 45) Notemos que ele faz de seu pressuposto uma implicação, inverte muito significativamente a nascente e a jusante. Quanto a Hiperbórea, ele fala muito (Ibid., p. 103, 116, 167, 177, 178, 189, 193, 202, 203, 243) nos termos que lembram demasiado o teosofismo: Hiperbórea precede a Atlântida, ela se origina dos Vedas   etc. Um homem como Steiner, idealista, procura a unidade das ideias num mundo supra-sensível, à maneira de Platão com suas ideias e de Goethe   com suas plantas. Viu-se que essa solução tentou Evola. Steiner deixa claro que não adquiriu seus conhecimentos de "textos orientais" etc, mas de sua "própria clarividência", e que aquela ali alcançava o "espírito", o "domínio supra-sensível", e que os resultados concordam com "todos os progressos da ciência atual" e também com a "ciência oculta". (La science de l’occulte — 1910; A ciência oculta — trad., Éd. Tríades, 1970, p. 9, 11, 19) Um homem como Kircher  , difusionista, encontra a unidade das ideias nos empréstimos a um centro de cultura. O difusionismo é o tradicionismo do pobre. Kircher crê nas concordâncias: "Vê-se então que os curetes de Orfeu são idênticos às Potências de Dionísio o Areopagita  , aos Espíritos dos cabalistas, aos Anjos dos platônicos, aos Gênios dos egípcios. Da mesma maneira, a Noite de Orfeu é idêntica ao Ein-Sof dos cabalistas, ao Hemphta dos egípcios, ao Infinito dos platônicos". E o sábio jesuíta assinala a mesma origem cultural às religiões, iniciações e gnoses: o Egito. Postei é difusionista quando procura o acordo das ideias ocultas nos hebreus. Uma outra teoria sobre a origem das concordâncias, que se pode classificar de holística, negligencia os detalhes e insiste na unidade do espírito humano, na permanência da iniciação. Trata-se da famosa fórmula "os caminhos são diferentes mas o objetivo é único". A função do esoterismo torna semelhantes os esoterismos. Todos visam a gnose, então são equivalentes, se completam.

Uma última observação sobre as concordâncias é evidente: o esoterólogo, diferentemente do esoterista, é completamente incapaz de estabelecer as concordâncias. Historiador, ele seguirá empréstimos e transformações; fenomenólogo, fará comparações, identificará possivelmente uma mesma vivência e um mesmo objetivo; filósofo, isolará os princípios, as essências, os objetivos; sociólogo, procurará as funções, os determinismos, as dinâmicas; porém, quanto a afirmar que a concorda com b, ele não ousará propor tal. Vejamos a título de exemplo o seguinte: o chakra do alto da cabeça. Nada é mais esotérico do que semelhante tema. Mas onde estarão suas concordâncias, se é que elas existem? Os textos hindus dizem: "O sahasrara chakra, de mil pétalas, o centro supremo do cérebro com seus lobos e suas circunvoluções, sede principal e especial do Jiva, a alma". Para tanto, não é seguro reconhecê-lo na parte posterior do pescoço dos budas greco-búdicos, identificar a parte posterior do pescoço desses budas com a flama dos budas do Sian ou a flor-de-lótus dos budas do Fou-nan; é ainda mais incerto estabelecer uma aproximação entre o chakra do alto da cabeça e as corcovas de Fou-hi, a fronte hipertrofiada de Lao-tse, as vastas têmporas do Velho branco mongol, ou mesmo a ’lasca de sílex’ fincada na cabeça de Thor após o combate com o gigante Hrungnir (Edda prosaique (Edda em prosa), II, 17), flama saindo da fronte de Mitra (Avesta), Atena saindo toda armada do crânio de Zeus. (Hesíodo  , Théogonie — Teogonia —, 924) [Riffard  ]


Ver online : René Guénon