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quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Identidade/diferença (tauton/ heteron)

I. Uma passagem de destaque do Timeu   explicita que identidade, tauton, e diferença, heteron, pertencem a um grupo especial de determinações — a um “tipo de conceito” especial: trata-se do argumento final e definitivo de que, ao contrário da definição dojovemTeeteto (conhecimento = percepção), a percepção sensorial não é conhecimento, saber (epistêmê) (Teet. 184b-187a).

A percepção — numa maior precisão inicial — não é simplesmente uma função dos olhos, ouvidos etc., mas o desempenho de uma instância unitária, a alma, com que nós, pelos órgãos do sentido, temos acesso às impressões sensíveis, recebemos sensações dessa maneira e então percebemos, por exemplo, “branco”, “preto”, “quente”, “frio”, “leve”, “doce” etc. (ninguém precisa ser neokantiano para, tal como Natorp [1902, p. 109], ver aqui “a unidade da consciência como função básica do conhecimento”; de modo semelhante Burnyeat 1990, p. 58; KUTSCHERA 2002, II, p. 218 s.). A FACULDADE (dynamis) específica de cada sentido corresponde exatamente um tipo de impressão sensorial ou sensação: o que nós (ou a alma) percebemos, por exemplo, pela audição não pode ser percebido pela visão e vice-versa; o que, portanto, pensamos (dianoeisthai) comumente sobre ambos os tipos de impressão ou sensação, não o podemos perceber (aisthanesthai) nem por um nem por outro dos dois órgãos do sentido. Mas a respeito de um som (phônê), assim como de uma cor (chroma) podemos pensar que ambos existem (hoti amphoterô eston, Teet. 185a), que cada um dos dois é diferente do outro e idêntico a si mesmo (hekateron heketerou men heteron, heautô de tauton, Teet. 185a), que ambos juntos são dois (dyo) e que cada um dos dois é um [hen); além disso, podemos examinar se são semelhantes (homoion) ou dessemelhantes (anhomoion) entre si. (para irregularidades conceituais desse raciocínio e seus panos de fundo, cf. Heitsch 1988, p. 92 ss.). Determinações como “ser” ou “não-ser”, “idêntico”, “diferente”, “dois”, “um”, “semelhante”, “dessemelhante”, que abrangem modalidades e podem ser aplicadas conjuntamente para as impressões de diferentes sentidos, não são, portanto, acessíveis a nenhum dos sentidos habituais e a nenhum sentido pessoal (por assim dizer, “sexto sentido”); ao contrário, a alma, ela mesma por si mesma, emprega esses koina em seus juízos sobre tudo (autê di’ hautês hê psychê ta koina phainetai peri pantôn episkopein, Teet. 185e). Disso também fazem parte (Teet. 186a) as determinações “belo” kalon), “feio” (aischron), “bom” (agathon) e “mau” (kakon), cujo ser — como complementa o jovem Teeteto   — a alma observa em sua inter-relação e leva em conta o passado e o presente em relação com o futuro. Embora perceba dureza e suavidade pelo tato, ela determina o ser dessas qualidades e o que elas são, sua oposição entre si e o ser da oposição mediante comparação mútua.

O decisivo é que, pela percepção entendida como puramente receptora, não há nenhum acesso ao ser (ousia, Teet. 186a) (certamente no sentido de “ser o caso” [e de sua negação, 185c]). Por isso, a percepção não é passível de verdade (Teet. 186c-d). Sem dúvida, por sua referência à impressão do sentido causalmente originada, uma sensação é, no sentido trivial, “infalível” tal como um efeito se segue infalivelmente a uma causa. Mas para poder ser verdadeira ou falsa uma percepção enquanto sensação (pathêma) deveria dizer alguma coisa sobre alguma coisa, mas só um juízo sobre ela é capaz disso. Portanto, não há nos pathêmata nenhum saber, mas apenas na conclusão judicante sobre eles (en ... toi pathêmasi ouk eni epistêmê, en de tô peri ekeinôn syllogismô, Teet. 186d). Os conceitos formais da seção dos megista genê no Sofista  , SER, ideia e diferença, desempenham um papel aqui — embora não explicitamente: especialmente nas operações de comparação (symballein, Teet. 186b), da determinação diferenciadora (krinein), do cálculo de correspondências (analogismata, Teet. 186c). Mas também as funções de juízo simples, cujos equívocos são investigados nas seções finais sobre a possibilidade da falsa opinião (Teet. 187d-200d), consistem essencialmente no exame de diferenças e identidades parciais. Por isso é importante que o status epistemológico dos conceitos formais — principalmente sua desconexão de “matéria da percepção” e sua aplicabilidade que se estende às categorias — tenha sido esclarecido (para a questão se o argumento dos koina aponta para o conhecimento das ideias — “acquaintance with forms” — como fonte do saber, como pensa Cornford [1935, p. 105-109], ou se, em geral, expõe o elo entre juízo e saber, como argumenta, por exemplo, Cooper [1970]; cf. Burnyeat 1990, p. 52-65, e HEITSCH 1988, p. 87-109). [SHÄFER]