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diastema

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Cristologia
Gregório de Nissa
Excertos da tese de Maria Cândida da Costa Reis Monteiro Pacheco, S. Gregório de Nissa - Criação e Tempo

Qual o significado deste conceito?

O sentido etimológico dá-nos um primeiro esclarecimento: diastasis e diastema vêm do verbo diastemi, que significa separar, desunir.

Diastasis aparece-nos indicando separação, afastamento, com várias acepções particulares. Assim, em retórica, designa a abertura do parêntese, em medicina significa luxação, em música, intervalo, na linguagem corrente pode designar divórcio, separação. Encontramos o termo em Aristóteles   no sentido de distensão, quebra, extensão, contraste, espaço. Platão   emprega-o no Timeu   com o significado de intervalo no que é seguido por Plotino  .

Diastema encontra-se, também, com o sentido de intervalo, distância, sendo os dois termos praticamente equivalentes. Aparece-nos usado na música e na medicina; em relação ao tempo, em Demócrito e Epicuro  ; em relação ao espaço, em Zenão   e Crisipo  , em Aristóteles e em Plotino.

Os dois termos são usados quase indiferentemente por S. Gregório, com certo predomínio de diastema, indicando-nos, segundo o seu sentido etimológico, que os tà onta são definidos pela sua radical diferença e separação do ontos on.

Posta esta primeira e nítida afirmação de transcendência e, ainda, no aprofundamento do sentido etimológico do termo, aparece-nos a sua conexão com o espaço e o tempo.

Em várias passagens da sua obra, o Bispo de Nissa afirma a impossibilidade da sujeição do ser divino ao diastema, o que seria, aliás, logicamente incompreensível, pois está para além de todas as limitações. Deus é akronos kai adiastatos. Em Contra Eunomium, tratando da refutação da posição eunomiana relativamente à Trindade, esclarece ainda que a geração do Filho não é diastemátca.

Poderá, pois, concluir-se que o diastema é exclusivo da criatura, definindo os tà onta na sua privação ontológica, contrapondo-os ao ontos on.

Num texto de In Ecclesiasten Homiliae, a afirmação é tão clara que não deixa dúvidas.

Se o diastema é, pois, a marca intrínseca da criatura, traduzindo a sua radical diferenciação do Criador, essa não identidade concretiza-se num espaçamento, espécie de círculo de tempo e espaço que a limita. O tempo e o espaço não são, pois, qualidades acessórias dos onta, mas correspondem intrinsecamente à sua essência, definem a sua insuficiência ôntica e limitam a sua existência separada, mas participante e dependente do ontos on. Por isso, não há nenhum ser criado que não seja no tempo e no espaço, seguindo-se-lhe imediatamente a contraprova. O ser sempiterno não existe nem no tempo nem no espaço, estando para além dessa limitação, pois é totalmente consistente e fundado em si mesmo.

O diastema está inseparavelmente ligado à ideia de criação e aos seus limites. Estes correspondem ao enquadramento dos seres na harmonia do universo, num afloramento duma cosmovisão grega, harmônica na diversidade dos seus seres, ordenada e equilibrada. Para o Bispo de Nissa, porém, essa harmonia é o reflexo do plano divino, que circunscreve os onta nos seus limites, concatenando-os.

Esta primeira noção de diastema, aplicável a todo o ser criado e definindo a sua radical diferenciação do Ser divino, não é única no pensamento de S. Gregório. Corresponde a uma ontologia da criatura em geral, mas e usada, também, numa outra acepção mais restrita, definindo a total limitação do ser material. Neste último sentido, o homem e o anjo, como seres espirituais, estão, de certo modo, subtraídos a essa limitação, ou, pelo menos, dela podem libertar-se.

Note-se ainda que, se o diastema implica uma limitação de tempo e espaço, o Bispo de Nissa parece, no entanto, dar um maior predomínio ao tempo. Segundo o nosso autor, é verdadeiramente o tempo, que, na sua mutabilidade e distensão, evidencia o afastamento da criatura e do Criador. É, assim, a mais perfeita concretização da instabilidade dos seres, implicando a sua atualização progressiva.

A mutabilidade dos seres criados define, então, uma trajectória, limitada por um começo e um fim, correspondente ao intervalo temporal.

Os tà onta só podem, pois, ter consistência na mudança. Num texto de De hominis opificio encontramos glosada a velha temática heracliteana: a vida material e fluente dos corpos possui o ser na medida em que não pode deixar de mover-se, como um rio cuja água nunca está no mesmo lugar, mas que segue o seu curso sobre o mesmo leito. A supressão do movimento implicaria, imediatamente, a sua não existência.

A criação, como movimento ontológico, na passagem do não-ser ao ser, implica essa mudança contínua, que não traduz dissolução mas, ao contrário, caminho e enriquecimento do ser. Assim, se a temporalidade corresponde a uma imperfeição, quando comparada com a plenitude da eternidade, é, por outro lado, um modo de ser perfeito, na sua ordem, quando considerada em si mesma. Assim se esquematiza uma ontologia da participação: o ser que começa a existir, aparentemente independente, está, afinal, unido ao ontos on.

Se a eternidade e o tempo parecem excluir-se, este implica-a, enquanto dela participa. Como os onta não existem sem o ontos on, também o tempo não existe sem a eternidade, o ato criador que o fundamenta. Deus é eterno, mas o tempo d’Ele provém, com a criatura. A sucessão temporal é uma criação contínua, sempre em relação vertical com a sua fonte, embora, aparentemente, possa surgir-nos sob a forma duma horizontalidade. Como escreve J. Mouroux, o tempo é, «(...) dans sa succession même une implication de l’étérnité», aparecendo como o desenrolar complexo e sucessivo do ato criador simples, na sua plenitude de instante único e indivisível.