Para que trabalham os grandes e os pequenos trabalhadores? Para o «desenvolvimento», sem dúvida. E aqui novamente irrompe o Demo, mas agora, na cena em que vemos desenrolar-se a trama da mais angustiante tragédia da nossa civilização, talvez no próprio momento em que se desenlaça o nó de uma intriga que, há muito, todos os humanos começaram a tecer, ainda com alegria nos corações, despercebidos, é claro, de que desempenhavam seu papel por delegação d’Ele, de que colaboravam em sua obra deletéria, na empresa tão rendosa do Grande Separador. Examinemos a questão mais de perto, explicitando o que poderia ficar expresso por simples aceno. A todos ocorrem duas proposições que fluem [102] em sentido inverso: «o desenvolvimento tecnológico provoca a explosão demográfica» e «a explosão demográfica necessita do desenvolvimento tecnológico». É bem de ver que elas se constituem no anverso e no reverso da mesma moeda corrente. Mas a natureza não está preparada para arrostar com as consequências do desenvolvimento tecnológico, e este só poderia retardar-se ou reter-se sob pena de assistirmos impotentes, por inermes, à perda de enormes multidões de nossos semelhantes. Não só a morte por inanição, à míngua ou completa escassez de alimentos; mas também ao fatal desgosto da vida, por falta de todos os bens de consumo que só era preciso inventar para que se tornassem indispensáveis. Ninguém quereria assistir à catástrofe. Daí que nem sequer se sonhe em atrasar ou deter o «desenvolvimento». Mas, como procediam os deuses antigos? Dementavam aqueles heróis trágicos — e «trágicos», por isso mesmo — cuja perdição premeditavam. Agora, quando se pensa que o bem caiu todo para um lado, e o mal, para outro, é o Diabo que, evidentemente, arca com toda a responsabilidade de antevermos perdidas, não só multidões de pessoas, mas a humanidade inteira, pelo facto de o desenvolvimento ir tirando as envolturas que encobrem a morte, quando se julga vestir sumptuosamente a vida. [EudoroMito:102-103]