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Poimandres Cosmogonia Fase II

segunda-feira 1º de janeiro de 2024, por Cardoso de Castro

  

Festugière — Corpus Hermeticum  
Excertos traduzidos e anotados por Antonio e Izabel Carneiro de HERMETISMO E MÍSTICA PAGÃ
SEGUNDA FASE (I 7-8)
Esta segunda fase concerne o mundo luminoso que, permanecendo todo luminoso, e sem mudar ele-mesmo de forma, se fixa aos olhos do profeta nesse sentido que se distribui em um número incalculável de Poderes. Por outro lado, o fogo, o qual se havia dito somente que estava enlaçado da natureza úmida em direção ao alto, é agora claramente distintivo do mundo lá do alto: envolvido e contido por uma força toda poderosa, toma sua posição definitiva, sob a região da luz.

Segue uma nova explicação (I, 8). O mundo luminoso distribuído em Poderes é o mundo das Ideias, dos arquétipos, « o pré-princípio anterior ao começo sem fim ». Quanto aos elementos da natureza, saíram, disse Poimandres  , « da Vontade de Deus (ou da Deliberação de Deus, “Boule Theou”) que, tendo recebido nela o Verbo e tendo visto o belo mundo arquétipo, o imita, formada como foi em um mundo ordenado segundo seus próprios elementos e seus próprios produtos, as almas ».

Começamos, desde logo, a perceber o desígnio desta gênese mitológica do mundo. A ideia fundamental, vimos pela última vez, é de manter o Deus Supremo o tão estrangeiro quanto possível na produção de um mundo que é visto como mau. A solução do autor hermético é dupla. Consiste de uma parte em supor no Deus Supremo uma dualidade original, e de outra parte em fazer intervir, como princípios ativos na organização do Cosmos, não o Deus Supremo em pessoa, mas, hipóstases desse Deus, emanações divinas que são ditas filhos de Deus.

A dualidade original é aquela do Noûs e da Boule. Em um dado momento — aliás, não se sabe por que, se é que é necessário explicar melhor de alguma maneira a dualidade do mundo espiritual e do mundo da matéria — esta Boule se separa do Noûs luminoso. Ora o Noûs luminoso é ele-mesmo um mundo ordenado de Formas, de Arquétipos. A Boule é então tomada do desejo de imitar esse mundo ideal, ela se oferece como um poder passivo à ação que fará dela também, um mundo ordenado.

Mas, ela não é senão um poder passivo. Para formá-la em um mundo, quer dizer em uma ordem, é preciso um princípio ativo. Esse princípio ativo não será o Primeiro Deus, o Primeiro Noûs. Será um filho de Deus, o Logos ou Verbo. É sob a ação desse Logos que se operará na Boule-obscuridade a divisão interna dos quatro elementos e suas repartições nos lugares que lhes convenham.

Vê-se também como o autor hermético não teve resultado para essa solução senão tomando emprestado de todos os lados dos mais diversos sistemas. O mundo arquétipo vem de Platão. A influência do Gênese hebraico é evidente, reconhecível em mais de um traço (o Logos que cobre a natureza úmida lembra o sopro que, no Gênese, cobre o caos original): assim como uma citação textual, mais longe (« Crescei-vos em progresso e multiplicai-vos em multidão, todos vós, minhas criaturas e minhas obras » I, 18 — Gen, 8,15) [1], torna esta influência indubitável. Por outro lado o Logos-sopro faz pensar no Pneuma estoico. E o encontrar-se-ia ainda, sem dúvida outros empréstimos. Mas, não são esses empréstimos que me parecem o traço interessante. O que importa, é a ideia-mãe, esta ideia fundamental, que não se faz necessário que o Deus Supremo tenha tido alguma parte direta na produção do mundo lá de baixo. (Notemos, de passagem, que o Logos é aqui o Filho Primogênito).

  • §7-8
    NOTAS

[1A citação é do Dilúvio: “Deus disse a Noé”, talvez quis indicar Gen 1,28 ou Gen 9,1; mais provável Gen 1,28.