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República IV

  

Outros aspectos da vida da comunidade são regulamentados no Livro IV, até que, depois de relegar para o oráculo de Delfos a superintendência em matéria religiosa, Sócrates   declara que, fundada a cidade, estão agora aptos a procurar «onde poderia estar a justiça e onde a injustiça» [1]. Ora, se a cidade é perfeita, terá de possuir as quatro virtudes, sabedoria (sophia), coragem (andreia), temperança (sophrosyne) e justiça (dikaiosyne). Definidas as três primeiras, atingir-se-á a quarta por exclusão de partes. Se a primeira se encontra nos guardiões, a segunda nos guerreiros e a terceira na harmonia geral de todas as classes, a justiça será que cada um exerça uma só função na sociedade, aquela para a qual, por natureza, foi mais dotado (433a). Resta verificar se estas conclusões, vistas nas «letras grandes», são aplicáveis ao indivíduo. Ora a cidade tinha três classes: os guardiões, os militares e os artífices. Também a alma do indivíduo tem três elementos [2]: apetitivo, espiritual e racional. Aos apetites cabe obedecer, às emoções assistir, à razão governar, «E assim assentamos suficientemente em que existem na cidade e na alma dos indivíduos os mesmos elementos, e no mesmo número» [3]. O seu equilíbrio ou desequilíbrio conduzem à justiça ou à injustiça, É esse o aspecto que falta estudar. [Rocha Pereira]

Traduções: Chambry; Jowett


Resumo analítico de Francis Wolff  , no livro de Julia Annas, Introduction à la République   de Platon   (PUF, 1981)

AS CONDIÇÕES DE VIDA DOS GUARDIÕES (III, 415d-IV, 421c)
Eles [os guardiões] serão felizes, não de uma felicidade de privilégios, mas porque sua vida corresponde a sua natureza e que eles contribuem à felicidade do Estado como um todo (419a-421c)

OS DEVERES DOS GUARDIÕES (IV, 421c - 427c)

  • Deve-se preservar o Estado do enriquecimento ou do empobrecimento excessivos, causas de enfraquecimento (421c-423b)
  • Deve-se preservar a unidade do Estado impedindo-o de crescer e defender os princípios de divisão do trabalho e de mobilidade social (423b-d)
  • Deve-se sobretudo preservar um sistema estável de educação, uma legislação geral (notadamente no domínio religioso) (423d-427c)
    • No Estado
      • O Estado assim fundado é (427d-432b)
        • sábio por sua cabeça (os governantes dão prova de "prudência"na sua função deliberativa)
        • corajoso por seus guerreiros (os "Auxiliares")
        • moderado (mestre de si) pelo acordo que reina entre as classes (o melhor comando o pior)
      • O Estado portanto é justo: cada um aí cumpre sua função própria (432b-434c)
    • No indivíduo
      • A justiça no indivíduo deve ser análoga àquela do Estado (434d-436a)
      • Donde: as partes da alma: assim como há três classes no Estado (governantes, guerreiros, trabalhadores e artesãos), correspondendo a três funções, há três partes na alma: a "razão, o ardor, e o desejo (436a-441-c)
      • As virtudes da alma: as partes da alma podem entrar em conflito mas também estar em harmonia, no indivíduo justo, quando cada uma faz somente sua própria tarefa sem transbordar sobre aquela das outras: quando a razão comanda sobre a alma inteira, e que o ardor a segue nesta tarefa, e que os desejos obedecem, a alma é justa; explicação paralela das outras virtudes (441c-444a)
      • Da mesma maneira a injustiça não é, mais que a injustiça, um comportamento a respeito dos outros, mas uma desordem (desacordo) interior da alma, uma doença da alma arruinadora para aquele mesmo que dela é atingido. (444b-445b)
      • Resta a estudar, as diferentes formas do vício (no Estado e no indivíduo) (445c-e) — cujo estudo só começará no final do livro República VIII

[1IV. 472d.

[2É ponto controverso, se Platão dividiu a alma em partes. A palavra «elementos», por mais vaga, é preconizada por Cross e Woozley, Plato’s Republic. A Philosophical Commentary, pp. 127-128, tanto mais que, como notam esses autores, a psicologia tinha a dificuldade enorme de se exprimir «numa linguagem que tinha sido primariamente destinada ou tinha sido principalmente desenvolvida para a finalidade, completamente diferente, de falar sobre o mundo exterior» (p. 128).

[3IV. 441c. Tem sido objeto de acesa discussão saber até onde Platão aceitava esta identidade e se, para ele, o ponto de partida era da cidade para o indivíduo ou do indivíduo para a cidade. Apesar de a ordem seguida na República ser a primeira, supomos, como Cross e Woozley, op. cit., p. 131, que era a segunda que ele tinha em mente.