Whitehead2006
Wordsworth estava apaixonadamente absorvido pela natureza. De Spinoza se disse que andava embriagado de Deus. É igualmente verdade que Wordsworth andava embriagado da natureza. Mas era um homem reflexivo, versado, com interesses filosóficos e sensato até chegar a extremos de prosaísmo. Além do mais, era um gênio. Enfraquecia sua evidência com o desamor da ciência. Todos nos lembramos de seu escárnio para com um pobre homem a quem ele um tanto quanto irritavelmente acusa de observar e estudar plantas no túmulo da própria mãe. Passagens e passagens podem ser transcritas dele, que expressam essa repugnância. A esse respeito, o seu pensamento característico pode ser resumido nesta frase: “Assassinamos para dissecar”.
Nessa última passagem, ele revela a base intelectual de sua crítica à ciência. Alega contra a ciência sua absorção em abstrações. O seu tema constante é que os fatos importantes da natureza iludem o método científico. É, pois, importante indagar o que Wordsworth achou na natureza que deixou de receber expressão na ciência. Faço essa pergunta no interesse da própria ciência, pois uma das principais afirmações deste capítulo é a contestação da ideia de que as abstrações da ciência são incorrigíveis e inalteráveis. Evidentemente não sucede que Wordsworth deixe a matéria inorgânica à mercê da ciência e se concentre na fé de que no organismo animado há um elemento que a ciência não pode analisar. Claro que reconhece, o que ninguém duvida, que, em certo sentido, as coisas inanimadas são diferentes das coisas sem vida. Mas o seu ponto principal não é esse, e sim a contemplativa presença das colinas que repetidamente aparecem nele. O seu tema é a natureza in solido, isto é, insiste nessa misteriosa presença das coisas circundantes, que se impõe em qualquer elemento de per si que consideramos como indivíduo em si. Sempre compreende o conjunto da natureza implícito na tonalidade de determinada circunstância. Por isso é que ri com os narcisos silvestres e acha nas prímulas “pensamentos muito profundos para lágrimas”.
O maior poema de Wordsworth é, sem dúvida alguma, o primeiro livro de O prelúdio. E invadido por esse sentimento da perturbadora presença da natureza. Diversas magníficas passagens, demasiado longas para serem citadas, expressam essa ideia. Evidentemente, Wordsworth é um poeta escrevendo um poema, e nada tem com as ásperas afirmações filosóficas. Mas dificilmente seria possível exprimir de modo mais claro o sentimento da natureza do que apresentando unidades preensivas entrelaçadas, cada qual repleta da presença modal das demais:
Vós, Presenças da Natureza no céu
E sobre a terra! Vós, Visões das colinas!
E Almas dos lugares ermos! poderei pensar
Que uma esperança trivial seja vossa quando empregais
Tais ministérios, quando vós, ao longo de muitos anos
Perseguindo-me assim entre os meus brinquedos de menino,
Em cavernas e árvores, nos bosques e nas colinas,
Gravados em todas as formas os sinais
De perigos e desejos; e assim fizestes
A superfície de toda a terra,
Com triunfo e deleite, com esperança e temor,
Trabalhar como um mar? …
Citando assim Wordsworth, o ponto a que desejo chegar é que nos esquecemos quanto é forçada e paradoxal a visão da natureza que a ciência moderna nos impõe ao pensamento. Wordsworth, do alto do gênio, expressa os fatos concretos de nossa apreensão, fatos que são distorcidos na análise científica. Não seria possível que os conceitos padronizados da ciência fossem válidos tão-somente com estreitas limitações, até mesmo para a própria ciência?