ALDOUS HUXLEY. OS DEMÔNIOS DE LOUDUN
Para os partidários do totalitarismo deste ilustrado século nosso, não há alma nem Deus; só há uma massa de matéria fisiológica que se vai moldando por reflexos condicionados e pressões de caráter social, o que dá como resultado isso que, por cortesia, denomina-se ser humano. Um produto como este carece de significação por si mesmo e não possui direitos de auto-determinação: existe para a sociedade e tem que conformar-se com a vontade do conjunto. Por outro lado, na ordem prática a sociedade não é outra coisa que o Estado Nacional e, de fato, a vontade coletiva é, simplesmente, a vontade de poder do ditador, umas vezes mitigada, outras vezes distorcida, até a borda da loucura, por meio de alguma teoria pseudo-científica que, no esplendoroso futuro, servirá para alguma abstração denominada «humanidade». Os indivíduos são definidos como produtos e instrumentos da sociedade. Disso se infere que os caciques políticos, que pretendem ser seus representantes, estão justificados quando cometem as atrocidades mais inconcebíveis contra quem merece o qualificativo de inimigos dessa sociedade. O extermínio material à tiros, ou o obtido mais lucrativamente por esgotamento em um campo de trabalhos forçados, não é suficiente. É um fato que nem homens nem mulheres são as verdadeiras criaturas da sociedade. Entretanto, a doutrina reconhecida como oficial, proclama que sim, o são. Por tal razão se faz necessário despersonalizar aos inimigos da sociedade a fim de transformar na verdade a mentira oficial. Para os que conhecem a mutreta, essa redução do humano ao infra-humano, da liberdade individual à submissão do autômato, é uma questão relativamente singela. A personalidade do homem é muito menos monolítica que a que os teólogos, atentos à seus dogmas, costumavam conceber. A alma não é identificada como o espírito; simplesmente associa-se com ele. Em si mesmo não é mais que um feixe frouxamente amarrado, constituído por elementos psicologicamente não muito estáveis. Esta complexa entidade pode ser desintegrada muito facilmente por alguém bastante cruel para tentá-lo e bastante habilidoso para tirar partido de uma situação.