Cavell1989
A identificação de Emerson com relação à filosofia começa, para mim, com a percepção (assim como em Thoreau) de que ele está endossando — assim eu o diría — a filosofia da linguagem cotidiana (refiro-me especificamente ao que J. T. Austin e o último Wittgenstein veem como o papel do cotidiano na atividade filosófica) e, simultaneamente, como que antecipando o trabalho final de Heidegger — resumido em O que se chama pensar? (GA8). A antecipação de Heidegger — especificamente através do amor de Nietzsche por Emerson e, a seguir, do magnífico estudo de Heidegger sobre Nietzsche — foi ventilada em minha primeira tentativa de abordar Emerson, intitulada “Thinking of Emerson”. A observação de Emerson “Tudo o que conheço é recepção” (“Experience”) é usada como um desafio à concepção oficial de Kant, em Crítica da razão pura, segundo a qual o conhecimento é ativo, espontâneo, uma questão de síntese da experiência, e de que só as aparências são receptivas, passivas; numa palavra: não existe intuição intelectual. Isto marca a contribuição de Emerson ao debate idealista onde se tenta recuperar “a coisa em si” kantiana, levantando mais uma vez a questão da possibilidade de tal intuição. Há nisto, igualmente, um espaço para situar o apelo, em O que se chama pensar?, no sentido de um passo atrás decisivo em relação ao “pensamento representativo”. A questão do [79] endosso da filosofia da linguagem cotidiana estivera em preparação, em minha obra, desde as minhas primeiras publicações que ainda uso — o ensaio que fornece o título e o que se segue, em Must we mean what we say?. Esses textos identificam Investigações de Wittgenstein (assim como a prática de Austin) como tendo herdado a tarefa da lógica transcendental de Kant, a saber, demonstrar, ou articular, a adequação a priori das categorias do entendimento humano aos objetos do entendimento humano, ou seja, aos objetos. Em pouco tempo, fui atacado tão violentamente por esta sugestão kantiana — alegadamente, por tornar o estudo da linguagem não-empírico — que um amigo bem-informado comunicou-me que minha nascente reputação filosófica havia sido destruída. E agora, um quarto de século mais tarde, quando praticamente todo mundo concorda que Investigações é uma obra kantiana, não terei nem mesmo o consolo do crédito por haver sido o primeiro a indicá-lo. (Muito bem: quem vive da pena, perecerá pela pena.) Mas a hostilidade contra minha sugestão era bem justificada. Porque o pano de fundo kantiano não abria o espaço necessário para o trabalho na direção em que eu caminhava, citando-o em primeiro lugar para sugerir que os ataques de Austin e de Wittgenstein à filosofia, e ao ceticismo em particular — apelando para o que ambos chamam o uso ordinário, ou cotidiano, das palavras — contavam com alguma intimidade entre a linguagem e o mundo que eles nunca conseguiram descrever a contento. Foi em Emerson e em Thoreau que me pareceu encontrar aquilo que pude reconhecer como este espaço de investigação, na medida em que exploraram a problemática do atual, do cotidiano, do próximo, do baixo, do comum, em conjunção com aquilo que eles chamam de falar de necessidades, falar com necessidade.