Segundo Mário Ferreira dos Santos
Dedicando-se ao estudo das civilizações, que realizaram um verdadeiro crescimento, a doutrina de Toynbee, em linhas gerais, é a seguinte:
“A observação nos levou a verificar que o aguilhão atinge seu maximum de efeito estimulante quanto encontra o justo ponto entre o excesso e a carência de severidade. Notamos, com efeito, que sua deficiência pode aniquilar toda reação e sua intensidade excessiva quebrar o ímpeto das energias. Que decorre do desafio ao qual se pode enfrentar? A primeira vista é o melhor reativo possível, e nos exemplos concretos dos polinésios, dos esquimós, dos nômades, dos Osmanlis e dos esparciatas, vimos que tais situações são susceptíveis de provocar grandes esforços. Vimos, também…, que esses grandes esforços atraem aos que os realizam uma sanção nefasta sob forma de parada em seu desenvolvimento. Eis por que, ao aprofundar-se a questão, podemos sustentar que a reação mais forte imediata não é o testemunho último que revela a qualidade ótima do desafio. Devemos tomar em consideração um conjunto mais vasto, aquele que abarca o futuro. O desafio realmente optimum é o que não somente estimula o adversário a ponto de impedi-lo a uma única reação vitoriosa, mas o prepara a receber o impulso, que o fará progredir de um primeiro resultado obtido a uma nova luta, da solução de um problema a uma confrontação com outro…” Vemos, aqui, como ele concebe o crescimento da civilização. São os fatores predisponentes atuais, que operando sobre a emergência da civilização levam-na a resposta necessariamente proporcionadas, segundo a lei universal da interatuação. As atuações predisponentes, que estão dentro do limite marcada pelo optimum, de que já falamos, são as que permitem as reações mais salutares e as mais enérgicas. É característica de toda vida a excitabilidade, presente em todas as formas perfectivas biológicas, como o é na psicologia, na sociologia, etc. Ele exemplifica deste modo: “A desagregação da sociedade minoica deixara um resíduo social: minoicos errantes, aqueus e dórios. Os sedimentos de uma velha civilização seriam cobertos pelas contribuições depositadas por uma nova vaga de bárbaros? As poucas regiões de terras baixas da paisagem aqueana seriam dominadas pela selvageria das terras altas que as cercavam? Os pacíficos cultivadores das planícies cairiam ao sabor dos pastores e guerreiros descidos das montanhas? O primeiro desafio foi enfrentando vitoriosamente. Estava escrito que a Hélade seria um mundo de cidades e não de vilas, um país agrícola e não de pastagens, de ordem e não de desordem. Contudo, o próprio sucesso da reação a esse primeiro sucesso da reação a esse primeiro desfio pôs as populações vitoriosas em presença de uma segunda prova. Pois a vitória que se seguiu à pacífica continuidade da agricultura nos vales, provocou o crescimento da população, movimento que não se deteve nem quando esta atingiu a densidade máxima, além da qual seus recursos não eram mais suficientes. Assim, o próprio sucesso da resposta ao primeiro desafio expôs a sociedade, no início de sua vida, a uma segunda prova. Ela reagiu ao desafio maltusiano com tão bom êxito como ao do caos. Essa reação, em face da superpopulação, manifestou-se por uma série de ensaios. Aplicou-se, então, o mais fácil e o mais lógico, até que levou ao recuo. Recorreu-se, então, a um expediente mais complicado e menos nítido. O primeiro método consistiu em empregar técnicas e instituições criadas pelos habitantes dos vales da Hélade, à proporção que impunham sua dominação sobre seus vizinhos das terras altas com o intuito de conquistar para o helenismo novos domínios além dos mares. Graças a um instrumento militar: as falanges de hoplitas, e a um instrumento político: a cidade-Estado, uma multidão de pioneiros helênicos estabeleceu uma Magna Graecia na ponta da península itálica à custa dos bárbaros italiotas, um novo Peloponeso na Sicília, à custa dos bárbaros Sículos, uma nova Pentápole na Cirenaica à custa dos bárbaros da Líbia, e uma Calcídia na costa setentrional egeia à custa dos bárbaros da Trácia. Uma vez ainda, o próprio sucesso dessa resposta provocou um novo desafio. O que esses colonos haviam empreendido era em sisi mesmo um desafio feito aos outros povos mediterrâneos. Essas comunidades não helênicas detiveram a expansão da Hélade, em parte resistindo à sua agressão com armas e uma arte tática que lhes era emprestada, e em parte pela coordenação de suas forças a um ponto de perfeição tal que os helenos jamais teriam sido capazes de alcançar. É assim que a expansão helênica, começada no VIII século antes de Cristo, se deteve no curso do VI século. Essa sociedade encontrava-se sempre em face do problema de sua superpopulação”.
Prosseguindo no estudo do crescimento das civilizações, observa que o momento de expansão de um povo é concomitante com o seu declínio, bem como coincidem com perturbações ou com o Estado Universal. “As épocas de perturbação engendram o militarismo, que é uma perversão do espírito humano dirigido para a destruição. O militarista, que obtém o maior êxito, é, em regra geral, o fundador de um Estado Universal. A expansão geográfica é um subproduto desse militarismo, que aparece no momento em que homens de valor, todo-poderoso, se desinteressam pelas lutas para combater as sociedades vizinhas”. Contudo, o militarismo tem sido mais causa da destruição das civilizações que do seu desenvolvimento, forçando povos a lutas destrutivas. A pressão, que exerciam os povos vizinhos sobre a Grécia, levou-a, apesar de sofrer a derrota ante os persas, a reerguer-se mais viva ainda e preparar o advento de Alexandre, que foi uma resposta ao desafio que lhe lançavam os inimigos. São, contudo, tais períodos concomitantes com a desagregação, pois o helenismo, no tempo de Alexandre, já estava em decadência. O resultado final daquela campanha, foi a queda acentuada da Grécia.
Alguns problemas novos surgem aos seus olhos. Haverá uma correlação evidente entre o progresso da técnica e o progresso social? Os arqueólogos modernos admitem essa correlação. A técnica aponta o progresso da civilização. Contudo, uma dúvida o assalta, apesar de ser uma tese comumente aceita. E sua suspeita se justifica, porque há casos em que civilizações estacionárias conhecem um desenvolvimento técnico mais elevado, sem, contudo, sair do estágio em que se encontram. Nas civilizações imobilizadas, como a dos polinésios, nota-se um amplo desenvolvimento técnico da arte de marear e na arte de pescar; nos esparciatas, na arte de guerrear; nos Osmanlis, na arte de educar os homens. Na América, as culturas de Iucatã e do México atingiram um grau técnico superior à dos maias, contudo não alcançaram o grau de requinte que esta alcançou. Há casos em que a sociedade permanece estacionária, enquanto a técnica progride, e outros em que a técnica permanece estacionária e é a sociedade que progride.
Conclui, pois, que a técnica não nos dá, portanto, um critério do crescimento da civilização, como também não nos dá a expansão geográfica. Contudo, ela “nos revela um princípio que comanda o progresso técnico, e que pode ser designado como uma lei de simplificação progressiva”.
Se o desenvolvimento da técnica não nos explica o movimento de crescimento das civilizações, permite-nos, contudo, compreender a simplificação observada na técnica, que, para Toynbee, revela uma “lei de simplificação progressiva”. Assim, da volumosa máquina a vapor para o motor a explosão, há uma simplificação técnica, sob certo aspecto, pelo menos qualitativo, bem como um progresso, como também o há da telegrafia com fio à telegrafia sem fio. A própria língua tende a essa simplificação, como vemos nas línguas modernas do Ocidente, com o abandono das flexões, simplificação das formas, etc. Tem sido o desenvolvimento técnico um meio de enfrentar e vencer as dificuldades por que passa uma civilização. Assim o sistema feudal europeu salvou a Inglaterra da invasão dos vikings, etc.