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diabo

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Por isso, dir-se-ia que a figura do Diabo se divide em duas, que se opõem como o anverso e o reverso da mesma moeda ou da mesma medalha. Com efeito, o Diabo apresenta-se sob dois aspectos que parecem opostos; talvez contraditórios. Não se trata — digamo-lo com toda a ênfase — da oposição maniqueísta de um Espírito do Bem e de um Espírito do Mal. Só o que chamamos de Grande Pastor da Negação é susceptível de semelhante desdobramento. De um falamos até aqui e agora. Falemos do outro, precisamente d’Aquele a que poderia atribuir-se a contenção do Caótico (se, para tal, poder tivesse!) que, de uma vez e outra, detém por instantes (tão longos ou breves, quanto duram todas as possíveis e realizadas diacosmeses) o ímpeto do incoercível derramamento do Ser que sempre na mesma Integridade se oculta, por mais que se derrame em rios serenos ou espumantes catadupas. Neste caso, o Grande Pastor da Negação responderia pela estabilidade, enquanto resiste ao que insiste. Que nos impedirá, então, de vê-lo como o Grande Mantenedor da Lei e da Ordem? Nada. Porque ao lado dele, deste seu segundo aspecto, está a suma injúria que os Romanos identificavam com o sumum jus, a justiça cegamente aplicada, por não atender às diferenças entre atos aparentemente iguais, perpetrados por homens aparentemente semelhantes, em circunstâncias aparentemente afins. A retidão e a inamovibilidade do juiz é a mais perfeita encarnação deste segundo aspecto do diabólico. A rigidez do juízo mantém as coisas como devem ser. Mas, aqui, estamos bem longe da «única lei divina, da qual se nutrem todas as leis humanas» (Heráclito). O sumum jus que é suma injúria, exerce-se sobre «coisas» iguais e que iguais têm de permanecer, para que o Mundo fique sempre [105] igual a si mesmo; para que, por excedência estabelecida para e por «homens-humanos», a ordem não degenere em anarquia. A segunda face do Diabo quer lei, justiça e ordem, para todos e para tudo, a fim de que o Mundo não venha a «transmudar-se», para que sempre seja o que veio a ser. O diabólico está no «sempre». Quando víamos a outra face do Diabo, na instabilidade do «desenvolvimento», ocultava-se-nos esta mesma, a do Diabo, cuja ação desemboca na estabilidade e na estagnação da morte. Ao falarmos do diabólico que subjaz à institucionalização, como detenção de anseios e imobilização de projetos, já caíramos no indeciso, no ambíguo que caracteriza o Diabo em corpo inteiro — o Bifronte. [EudoroMito:105-106]

LÉXICO: diabo; demônio