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Dasein

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

Michael Zimmerman  : HEIDEGGER  , BUDDHISM, AND DEEP ECOLOGY

Heidegger definiu «ser» de uma maneira diferente da maioria dos filósofos. Tradicionalmente, filósofos definiram o «ser» de uma entidade como sua base ou substância, aquilo que provê a «fundação» para a coisa. Platão chamava esta fundação de forma eterna das coisas; Aristóteles  , sua substância; os teólogos medievais, seu Criador. Recusando conceber o ser como uma espécie de entidade superior, uma fundação eterna, base, causa, ou origem das coisas, Heidegger argumentou que para algo «ser» significa para ela des-cobrimento - desvendar-se ou apresentar-se. Para esta presentificação (Anwesen) ou auto-manifestação ocorrer, deveria haver uma clareira, uma abertura, um vazio, um nada, uma ausência (Abwesen). A existência humana constitui a abertura necessária para ter lugar a presentificação (ser) de entes - entidades. Quando tal presentificação ocorre através da abertura que sou, encontro uma ente - entidade como uma ente - entidade; ou seja, compreendo o que é. Heidegger usou o termo «Dasein» para nomear esta receptividade particular da existência humana para o ser (auto-manifestação) de ente - entidade. Em alemão, da significa «aqui» ou «aí», enquanto sein é o verbo alemão «ser». Assim, Dasein significa o lugar no qual ser ocorre, a abertura na qual presentificação transpira. Para Heidegger, nem temporalidade (ausência, nada) nem ser (presentificação, auto-manifestação) é uma «ente - entidade». Ao invés, são condições necessárias para entes - entidades aparecerem como tal. Nunca «vemos» tempo ou «tocamos» a presentificação de coisas; ao invés, vemos e tocamos as coisas que se manifestam ou se apresentam elas mesmas.

Marcia Schuback  : A perplexidade da presença (em sua tradução de Ser e Tempo)

Quando se aceita que a oposição fundamental em Ser e tempo e na filosofia de Heidegger de modo geral é entre Dasein e Vorhandenheit e que Vorhandenheit significa ser simplesmente dado, uma atualidade, aí pode-se entender porque a tradução de Dasein por ser ou estar aí não é muito apropriada. Com efeito, ser-aí ou estar-aí traduzem ainda melhor do que ser simplesmente dado o que Heidegger chamou de Vorhandenheit. Traduzir Dasein por ser-aí ou estar-aí ou até mesmo por "ser-o-lá", "être-le-là", como sugeriu o próprio Heidegger em francês na Carta sobre o humanismo, seria manter a compreensão de Dasein na tonalidade substancial e substantiva de Vorhandenheit. Usar o "estar-aí" em lugar de "ser-aí" tem o inconveniente fatal de obrigar a compreensão de Dasein a orientar-se por um entendimento ôntico de ser-no-mundo como circunstancialismo e situacionismo. Acompanhando com atenção os escritos, as preleções e cursos de Heidegger, logo após a publicação de Ser e tempo, pode-se observar que o fio condutor de suas [26] preocupações é mostrar que e porque Dasein não é uma estrutura "mais dinâmica" de sujeito - subjetividade e que ser-no-mundo não deve ser entendido como simples mundo-circundante, circunstancialidade e situacionismo. Heidegger busca responder assim às críticas de seu mestre Husserl   - Edmund Husserl e da primeira geração de fenomenologia - fenomenólogos como, por exemplo, Edith Stein  , Max Scheler   e Hedwig Conrad-Martius, que viram em Ser e tempo tão somente uma "antropologia filosófica". Pode-se dizer que Heidegger aprofunda a diferença sutil, mas muito decisiva em Ser e tempo entre Sein-in e In-sein, ser-dentro-de... e ser-em, que em alemão se diz literalmente na distinção entre ser-em e em-ser. Ser-no-mundo não diz ser dentro do mundo, mas fundamentalmente ser mundo, e isso na experiência de sendo em ser, de existir na dimensão infinitiva de ser, ou seja, de existir na abertura do a-ser. Isto significa que ser-no-mundo não constitui, de forma alguma, uma oposição, mesmo que amigável, à temporalidade de Dasein. Ser-no-mundo é o sentido concreto do que Heidegger chama de temporalidade por oposição ao conceito vulgar de tempo. Neste sentido, Heidegger afirma que "Somente partindo do enraizamento da presença na temporalidade é que se pode penetrar na possibilidade existencial do fenômeno ser-no-mundo que, no começo da analítica da presença, fez-se conhecer como constituição fundamental" (Ser e tempo, 69). Em relação a "estar-aí", "ser-aí" tem a vantagem relativa de guardar a forma infinitiva de sein, ser. Mas a sua desvantagem absoluta é traduzir "da" por "aí" e "lá", por localidades e determinações espaciais, o que deita por terra o esforço de Ser e tempo de pensar o ser desde a experiência da finitude - finitude do tempo.

O que diz o alemão "da"? "Da" não diz nem aí, nem lá, nem cá. O "da" é etimologicamente palavra de intensificação, tendo a função primária de avivar, marcar, ressaltar, não possuindo propriamente nenhuma determinação espacial. Humboldt   considera o [27] "da" como expressão primordial da segunda pessoa, do "tu", ou seja, do outro na concretude de sua face e, assim, numa relação. Heidegger tematiza o Da em Ser e tempo como sentido temporal do entre, que define a transcendência da existência, a conjugação do si mesmo como vida da alteridade, da diferença. Por isso, Heidegger afirma que é desde o "da" que um aqui, um aí, um lá podem definir-se (Ser e tempo, 28). Na ek-sistência, pode-se dizer que posição é situação quando se entende situação como temporalidade de abertura e não fechamento de uma determinação ôntica e situacionista do espaço. O "da" diz precisamente a abertura da cura, um anteceder-a-si-mesmo em já sendo em e junto a. Como traduzir então esse "da"? O prefixo latino que mais próximo se encontra de "da" é "prae". O problema não é somente como entender o "da" em alemão, mas igualmente como apreender o prefixo latino "prae". Um grande equívoco envolve a compreensão desse prefixo latino, equívoco que se deve à tentativa de provar que a palavra latina praesens é a tradução do grego parousia. Essa tese defendida por Wackernagel, sobre em quem Heidegger se apoia para as suas considerações sobre o termo praesentia, prevaleceu durante um certo tempo. Bem mais convincente, mesmo do ponto de vista da linguística, porém, é a posição de Emile Benvéniste que afirma, em seu exaustivo estudo sobre as preposições latinas, que "por preasens não se entende propriamente o que está aí, ou seja, o ‘pró’, mas sim o que me ultrapassa, o que se me adianta, ou seja, o iminente, urgente, como na palavra inglesa ahead". Ora o que diz Benvéniste senão que a palavra latina praesens significa o que Heidegger entende por cura, o anteceder-a-si-mesmo já sendo em, junto a, ou seja, "da"? O desafio que se apresenta nas línguas de derivação latina é, portanto, o de dissociar praesentia de parousia, que é para Heidegger o sentido grego de Vorhandenheit, de ser simplesmente dado, assim como é tarefa no alemão dissociar Dasein de Vorhandenheit. O que Heidegger propriamente discute ao criticar "présence" é o grego parousia e toda a sua implicação onto-teo-lógica. Em toda a análise, digamos temporal, da espacialidade, em que espaço mostra-se como modo ou aspecto verbal, Heidegger insiste que "da", "pre" não é um lugar-aqui, mas proximidade do distante e distância da proximidade, a espacialidade própria do anteceder-a-si-mesmo em já sendo. Isso se afirma ainda uma vez na forma do gerúndio sens, que forma "-sença", a qual indica o em sendo no a ser. Essa minúcia filológica foi discutida não apenas por mim em alguns artigos já publicados, mas de maneira ainda mais exaustiva por Henri Maldiney  , sobretudo no livro intitulado Aîtres de la langue et demeures de la pensée, em que apresenta um estudo aprofundado da estrutura aspectual dos verbos gregos, assumindo também a tradução de Dasein em Heidegger por présence. Henri Birault, outro grande estudioso na França da obra de Heidegger, afirmou igualmente que "se for preciso escolher uma palavra francesa para traduzir Dasein, adotaria présence..., pois nesse caso presença exprimiria o fazer-se presença do homem ao ser e o fazer-se presença do ser ao homem". A mesma sugestão já havia sido feita por Emmanuel Carneiro Leão, na década de 60, antes de Birault e Maldiney.