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euche

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  
Roberto Pla  

Segundo a história do viver religioso manifesto do mundo, se serve o homem da oração como de uma vara flexível e eficaz, interessada, para lançá-lo ao outro lado da vala, a outra margem da consciência, desde o eu psicológico conhecido, ao não conhecido, ao mistério.

Em certo sentido a oração é uma transação, um intercâmbio de fé e dedicação, por respostas de algum ordem concreta. Este é o primeiro nível da oração, mas ainda assim é evidente que se sustenta em benefício do incremento da fé em que o mundo não é unicamente a entidade visível que contemplamos, mas que nela se entretém algo invisível e bem-aventurado. Nossos respeitos a esta classe de oração.

Dentro do “pede e se os dará”, quer dizer, sem sair do âmbito da transação, cabe que a oração e a fé que ela implica, se expresse não como demanda de bens psicofísicos, mas como solicitação de energia, de valor, de conhecimento, para queimar a palha que obscurece por identificação com ela, os contornos verdadeiros da alma.

Desta oração que busca o Espírito Santo, falou Jesus quando disse: “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Pedido do “pão de Vida”, quer dizer, a descida do conhecimento de Deus que o Espírito leva em suas asas.

Por ser seu objetivo a extinção da palha em que se afoga a alma, o pão que se pede é condenação de palha, e isso é o que tenta explicar o breve 6756 quando diz: "Se orais os condenareis".

O que é chamado à condenação é o eu psicológico, tão abundantemente servido pelos limites de individualização impostos pelo Adversário de Deus; mas detrás desta “condenação” está sempre a luz bem-aventurada dos “limpos de coração”, a luz que permite abrir o olhar sobre a margem do invisível.

Desde o voo da pomba em cujas asas desce a Vida do Espírito de Deus, até a sabedoria destilada na consciência pelo Espírito que se une com o espírito, há um longo traçado no qual se inscreve o melhor do viver religioso do homem: o que vai desde ser dois, varão e fêmea, a ser “uma só carne” no ungido de Deus, como fruto único da semente.

Esta é uma maneira superior de orar: a oração ao Pai que vê no oculto e que sabe o que a alma necessita antes de pedir-lhe; a oração que vem porque a fé teve confiança e unidade no Reino da Luz; a oração na qual o ungido, feito uno com o Pai que nele fez sua morada, se abre como amor puro, indefinido e sem objeto. Desde sua unidade completa com o Pai, não chama Jesus “oração” a essa oração de signo manifesto a qual os discípulos o convidam, e que vem sempre determinada por um orante circunscrito nas estreitas paredes levantadas por seu eu psicológico.

  • Mas tu, quando orares, entra no teu quarto e, fechando a porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará. E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios; porque pensam que pelo seu muito falar serão ouvidos. Não vos assemelheis, pois, a eles; porque vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes de vós lho pedirdes. (Mt   6,6-8)
  • Respondeu-lhe Jesus: Se alguém me amar, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos a ele, e faremos nele morada. (Jo 14,23)

A oração é sempre um ato de dualidade, pois o que ora está separado do Deus com o qual pretende unir-se. É um ato na dor da solidão. Por isso diz Jesus que a oração, essa “oração” que o pedem, significa a derrota do Cristo que conhece a unidade.

Jesus o Vivente sabe bem que a oração verdadeira consiste em ser uno com o Pai e contemplar sem cessar essa não dualidade do Pai e do Filho desde a mansão única e eterna do Espírito que lhes é comum.