(lat. Societas; in. Society; fr. Société; al. Gesellschaft; it. Società).
No sentido geral e fundamental: 1) campo de relações intersubjetivas, ou seja, das relações humanas de comunicação, portanto também: 2) a totalidade dos indivíduos entre os quais ocorrem essas relações; 3) um grupo de indivíduos entre os quais essas relações ocorrem em alguma forma condicionada ou determinada.
1) O primeiro significado, como se disse, é o fundamental; foi introduzido na cultura ocidental pelos escritores latinos — especialmente por Cícero — que o hauriram no estoicismo. Nos escritores clássicos da Grécia, os aspectos estatal e social encontram-se fundidos e não se distinguem do conceito de polis; graças ao cosmopolitismo dos estoicos, foram dissociados e, portanto, a sociedade passou a ser considerada independente do estado, da organização política. Foi expondo a doutrina dos estoicos que Cícero disse: “Nascemos para a agregação dos homens e para a sociedade e a comunidade do gênero humano” (De finibus, IV, 2, 4). Esse conceito de sociedade é retomado pelo jusnaturalismo moderno, no qual é acompanhado pelo conceito de direito natural (o que já acontecia nos estoicos). O direito natural, aliás, é empregado pelos jusnaturalistas para delimitar o campo da sociedade. Huig van Groot (Grócio), p. ex., diz que “a conservação da sociedade, em conformidade com a inteligência humana, é fonte do direito propriamente dito” (De jure bellis ac pacis, 1625, Proleg., § 8). Analogamente, para Hobbes, a sociedade era uma associação decorrente das necessidades humanas e do temor, vale dizer, constituída em última análise por relações humanas de utilidade recíproca (De Cive, 1642,12). Pufendorf fundamentava a lei natural com o princípio seguinte: “Cada um, no que depender de si, deve promover e manter para com seus semelhantes um estado de sociabilidade pacífica, condizente em geral com a índole e as finalidades do gênero humano”, e explicava que se devia entender por sociabilidade “a disposição do homem para com o homem, graças à qual um se considera vinculado ao outro pela benevolência, pela paz e pela caridade” (De jure naturae, 1672, II, 3). Também é possível encontrar uma definição indireta da sociedade nos textos que insistem na tendência natural do homem para a sociabilidade, como os que aparecem frequentemente nas obras de Kant. “O homem tem inclinação a associar-se porque no estado de sociedade sente-se mais homem, vale dizer, sente que pode desenvolver melhor suas disposições naturais. Mas também tem forte tendência a dissociar-se (isolar-se) porque tem em si também a qualidade anti-social de querer voltar tudo para seu próprio interesse, em virtude do que deve esperar resistência de todos os lados e, por sua vez, sabe que terá de resistir aos outros” (Idee zu einer allgemeinen Geschichte in weltburgerlicher Absicht, 1784, IV; trad. it., p. 127; Met. der Sitten, II, § 47; Crít. do Juízo, § 41). Fichte expressava esse mesmo conceito ao dizer: “Chamo de sociedade a relação recíproca entre seres racionais” (Die Bestimmung des Gelehrten, 1794, II). Desse ponto de vista, a análise da sociedade pode ter como objetivo:
a) Os fins que a totalidade do gênero humano deve ter em vista e dos meios que a razão indica para a consecução de tais fins. As teorias políticas dos autores gregos, p. ex., de Platão e de Aristóteles, e as teorias jusnaturalistas analisam a sociedade nesse sentido.
b) As condições que, de fato, possibilitam as relações humanas. Essas condições foram definidas de várias maneiras, e sua definição pode ser considerada a primeira tarefa da sociologia. Max Weber identificou-as na atividade social, que se realiza segundo uma ordem deliberada e relativamente constante (Über einige Kategorien der verstehenden Soziologie, 1913, V; trad. it., in Il método delle scienze storico-sociali, pp. 262 ss.). Durkheim considerou característicos da sociedade humana os modos de agir que são impostos de fora e se consolidam nas instituições (Règles de la méthode sociologique, 1895, cap. I). E a própria ação, ou comportamento, às vezes é considerada elemento objetivo que define o campo das relações humanas (cf. Talcott Parsons, The Structure of Social Action, 1949; 2a ed., 1957). Este segundo modo de entender a sociedade atribui-lhe explícita ou implicitamente o caráter de “campo” e a reduz portanto a uma construeto conceitual, isentando-a do caráter de totalidade real e do caráter de ideal normativo.
2) O conceito de sociedade como totalidade de indivíduos entre os quais há relações intersubjetivas, ou seja, como “mundo social”, em geral está ligado ao conceito de sociedade como organismo ou “superorganismo”. Os antigos já haviam comparado a comunidade política, o Estado, a um organismo. Os estoicos compararam toda a sociedade — como comunidade de seres racionais — a um organismo (cf. Marco Aurélio, Memórias, VII, 13); esse paralelo continua na Idade Moderna. Comte chama a sociedade de “organismo coletivo” (Cours de phil. positive, IV, pp. 442 ss.). Por sua vez, Spencer chama de superorgânica a evolução que conduz à sociedade e considera a própria sociedade como um organismo cujos elementos são, em primeiro lugar, as famílias e depois os indivíduos isolados. Segundo Spencer, o organismo social difere do organismo animal porque a consciência pertence apenas aos elementos que o compõem, pois a sociedade não tem órgãos de sentido como os animais, mas vive e sente apenas através dos indivíduos que a compõem (The Study of Sociology, 1873); Wundt expressou-se no mesmo sentido (System der Philosophie, 2a ed., 1897, pp. 616 ss.). A hipótese organicista continua por trás de muitas teorias políticas e sociológicas modernas. Pode ser considerada uma variante dessa mesma concepção a doutrina de Hegel, para quem a “sociedade civil” é uma fase imperfeita ou preparatória do Estado, que é a Ideia Divina realizada na terra: “A substância que, enquanto espírito, se particulariza abstratamente em muitas pessoas (a família é uma só pessoa), em famílias ou em indivíduos, que por si estão em liberdade, são independentes e particulares, e perde seu caráter ético; isso porque essas pessoas, enquanto tais, não têm na consciência e como objetivo a unidade absoluta, mas sua própria particularidade e seu ser por si: daí nasce o sistema da atomística”. Este sistema é precisamente a sociedade civil como “conexão universal e mediadora de extremos independentes e de seus interesses particulares” ou como “Estado exterior” (Enc., § 523; Fil. do dir., § 184). Neste sentido, segundo Hegel, a sociedade civil compreende, em primeiro lugar, o sistema das necessidades; em segundo lugar, a administração da justiça; em terceiro lugar, a polícia e a corporação, ou seja, os órgãos que detêm a tutela dos interesses particulares (Fil. do dir., § 188). O próprio Marx manteve inalterado este conceito da sociedade civil, mas inverteu sua relação com o Estado e adotou-o como princípio de explicação do próprio Estado e, em geral, de todo o mundo ideológico: “Por meus estudos, fui levado à conclusão de que nem as relações jurídicas nem as formas do Estado poderiam ser compreendidas por si mesmas ou pelo chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas de que estão enraizadas nas relações materiais da existência, cujo conjunto é enfeixado por Hegel com o nome de sociedade civil, a anatomia dessa sociedade civil deve ser buscada na economia política” (Zur Kritik der politischen Ökonomie, 1859, Pref.; trad. it., Cantimori, p. 10). Conceito análogo de sociedade pareceu a Bergson ser o próprio ideal de sociedade “aberta”, ou sociedade mística. “Uma sociedade mística que abarque toda a humanidade e que, animada por uma vontade comum, marche para a criação incessantemente renovada de uma humanidade mais completa, certamente se realizará no porvir tanto quanto no passado existiram sociedade humanas funcionando de maneira orgânica à semelhança das sociedade animais. A aspiração pura é um limite ideal como a obrigação nua” (Deux sources, I, trad. it., p. 87).
3) Na linguagem comum e nas disciplinas sociológicas a palavra sociedade costuma ser usada no terceiro significado, de conjunto de indivíduos caracterizado por uma atitude comum ou institucionalizada. Neste sentido, designa tanto um grupo de indivíduos quanto a instituição que caracteriza esse grupo, como acontece nas expressões “sociedade comercial”, “sociedade capitalista”, etc. Esse emprego é tão óbvio que em geral não é sequer definido. Às vezes é definido em relação com cultura, como fazem Kluckhohn e Kelly: “sociedade refere-se a um grupo de pessoas que aprenderam a agir em conjunto; cultura refere-se aos modos de vida que distinguem esse grupo de pessoas” (R. Linton, The Science of Man in the World Crisis, 7a ed., 1952, p. 79). [Abbagnano]
Sociedade (1), como sinônimo de comunidade, designa toda reunião, estável e ativa, de homens, que tenha em mira a realização de um fim ou valor comum. — Sociedade (2), em acepção distinta da de comunidade, denota só os entes coletivos endereçados a um fim artificial; ao passo que comunidade denota os entes coletivos à base de um vínculo natural. — Sociedade (3) exprime a totalidade das criações e relações oriundas da índole dada ao homem pela natureza; exprime, portanto, a humanidade como uma unidade, o Estado, o município e a classe profissional, a a família, a parentela, a linhagem ( Povo), e o conjunto global das associações livres de toda espécie. — Sociedade (4) indica, outrossim, a classe social mais influente e, via de regra, a mais rica, isto é, aqueles círculos onde existe “trato social” e onde geralmente costuma ser mal visto o matrimônio de um de seus membros com outro de classe “socialmente” inferior. — Sociedade (5), em oposição a Estado: entendido por Estado a comunidade do povo organizada e dotada de poder, sociedade será, ao invés, a mesma comunidade do povo (mas, de fato, as mais das vezes, só os círculos da “sociedade” no sentido [4] como pretensa zona “livre do Estado”) sem relação interna ao quadro do Estado que a contém. — Este conceito da sociedade baseava-se na concepção liberal-burguesa do Estado, em vigor no século XIX, em que cada qual se sentia a salvo do Estado e por isso o minimizava ao ponto de reduzi-lo a um quadro vazio (!). — Sociedade (6), em terminologia jurídica, designa primariamente os agrupamentos de natureza jurídico-econômica, via de regra associações de trabalho e capital para fins industriais.
A cada entidade social corresponde uma atuação social. Mas, como não são essas entidades, senão só os homens que podem pensar, querer e operar, a entidade social, para ser capaz de ação, requer determinados órgãos e, por conseguinte, organização. Os órgãos diretivos precisam de ter autoridade, uma vez que os restantes membros da sociedade os devem seguir, na qualidade de seres livres. De um ponto de vista ético-jurídico, a autoridade e a subordinação, o poder de mandar e o dever de obedecer, são essenciais a todo quadro social e, por conseguinte, são queridos por Deus juntamente com a índole social do homem. A autoridade tem seu fundamento e sua limitação no bem comum. — Nell-Breuning [Brugger]