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[…] a referida suposição da metafísica hegeliana de que o universo não pode resistir à coragem do conhecimento, tendo que se oferecer para a vontade de um conhecimento incondicionalmente seguro, isto é, para a vontade da certeza absoluta, a experiência fundamental do pensamento de Hegel é absoluta e inteiramente não-grega. O universo — que em grego se diz ό κόσμος — é, em essência, sobretudo o que se vela, e por isso a “obscuridade” é essencial. A relação do pensamento originário com aquilo que constitui o seu a-se-pensar determina-se originariamente por este. Ao pensar, porém, o que se vela, permitindo assim a sua vigência enquanto aquilo que é, o pensamento e o modo de conhecer desse pensamento essencial jamais podem ser uma “vontade” que obriga o universo a trair o seu segredo. Porque o a-se-pensar se encontra na essência de um encobrimento, numa “obscuridade”, e por isso e apenas por isso o pensamento que experimenta a medida do “obscuro” é, em sisi mesmo, necessariamente obscuro. Assim pensada, a “obscuridade” diz agora: um modo essencial e necessário de se encobrir. O pensador Heráclito é o obscuro porque seu pensamento abriga a essência do a-se-pensar que lhe pertence. Heráclito não éó Σκοτεινός, o “obscuro”, porque se exprime intencionalmente de maneira confusa. Também não é o obscuro porque toda “filosofia” parece “obscura”, isto é, ininteligível para o entendimento comum e seu âmbito de visão. Heráclito é o “obscuro” porque ele pensa o ser enquanto o que se vela e tem que pronunciar a palavra de acordo com o que assim se pensa. A palavra do pensamento originário abriga “o obscuro”. Uma coisa é abrigar o “obscuro”, uma outra é tropeçar no obscuro como um limite. Abrigar o obscuro no modo do pensamento é essencialmente diferente de qualquer “mística” ou de qualquer mergulho nas trevas. Uma vez que o pensamento originário pensa aquilo a cuja essência pertence o encobrimento, o obscuro permanece aqui, sempre e necessariamente, um tema do pensamento. De acordo com o seu tema, a filosofia de Heráclito é obscura também no sentido frisado pela opinião comum. Essa obscuridade emergente de seu “tema”, e assim característica do pensamento de Heráclito, foi tomada apenas como uma “impressão”, que acabou caracterizando o pensador e propiciando a alcunha de ó Σκοτεινός e, portanto, a compreensão da referida obscuridade apenas em sentido comum.

[HEIDEGGER, Martin. Heráclito. A origem do pensamento ocidental Lógica. A doutrina heraclítica do lógos. Tr. Marcia Sá Cavalcante Schuback. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998, p. 46-47]

 

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