Shelley, crítica à ciência

Whitehead2006

A atitude de Shelley para com a ciência estava no pólo oposto da posição de Wordsworth. Amava-a, e nunca se cansou de expressar em poesia os pensamentos que ela sugeria. Simboliza para ele alegria, paz e luz. O que foram as colinas de infância de Wordsworth foi um laboratório químico para Shelley. Infelizmente os críticos de Shelley têm, a esse respeito, muito pouco de Shelley em sua mentalidade. Tendem a tratar como casual excentricidade da índole de Shelley o que de fato fazia parte do mais íntimo do seu espírito e está presente em toda a sua poesia. Se Shelley tivesse nascido cem anos mais tarde, o século XX teria visto um Newton entre os químicos.

Para poder avaliar o valor da prova de Shelley, é importante reconhecer essa absorção do seu espírito nas ideias científicas. Isso pode ser exemplificado por diversos poemas líricos. Escolherei só um poema, o quarto ato do seu Prometeu libertado. A Terra e a Lua conversam entre si em linguagem de apurada ciência. Experimentos físicos conduzem as imaginações do poeta. Por exemplo, a aclamação da Terra

A vaporosa exaltação que não deve ser limitada!

é a transcrição da “força expansiva dos gases”, conforme é designada nos livros de ciência. Novamente tomemos a estrofe da Terra:

Giro sob minha pirâmide de noite,
Que aponta para o céu — deleite sonhador,
Murmurando alegria triunfante no meu sono encantado;
Como um jovem suspirando levemente embalado por sonhos de amor,
Estendendo-se à sombra de sua beleza,
Que mantém em torno do seu repouso um cuidado de luz e calor.

Essa estrofe só poderia ser escrita por uma pessoa munida de um diagrama geométrico perante seu olhar interior — um diagrama que sempre procurei demonstrar em aulas de matemática. Como é evidente, percebam especialmente o último verso, que dá imagem poética à luz que circunda a pirâmide da noite. Essa ideia não podia ocorrer a uma pessoa sem o diagrama. Mas todo o poema e ainda outros são permeados de referências desse tipo.

Agora o poeta, que tanto simpatiza com a ciência, tão absorto em suas ideias, não pode fazer simplesmente nada da teoria das qualidades secundárias, fundamental para seus conceitos, porque a natureza de Shelley mantém sua beleza e sua cor. A natureza de Shelley é em essência uma natureza de organismos, funcionando com todos os conteúdos de nossa experiência perceptual. Estamos tão acostumados a negligenciar a implicação da doutrina científica ortodoxa, que é difícil evidenciar a crítica implicada sobre ela neste caso. Se alguém pudesse ter tratado disso seriamente, Shelley o teria feito.

Além disso, Shelley concorda com Wordsworth quanto à interfusão da presença na natureza. Aqui está a primeira estrofe do seu poema intitulado Monte branco:

O eterno universo das coisas
Flui através da mente e agita as suas rápidas ondas
Ora escuras, ora cintilantes, ora refletindo as trevas
Ora trazendo esplendor, onde, de origens secretas,
A fonte do pensamento humano traz o seu tributo
De águas – com um som que é a metade de si mesmo,
Tal um fino regato assumirá muita vez
Na selva selvagem, na solidão da montanha,
Onde as cachoeiras em torno sempre despenham,
Onde macas eventos combatem, e um imenso rio
Por sobre suas rochas incessantemente irrompe e ruge.

Shelley escreveu esses versos com clara referência a uma forma de idealismo, kantiano, berkeliano ou platônico. Mas, como quer que o interpretem, aqui está um enfático testemunho de uma unificação preensiva como constituinte do verdadeiro ser da natureza.