Simondon1960
Subjacente a essa distinção entre cultura e civilização, que é cara a uma importante corrente da filosofia alemã e é geralmente aceita sem maiores exames pelo existencialismo e pela fenomenologia, bem como por autores das ciências humanas (Toynbee em particular), está uma preocupação normativa defensiva: a cultura deve ser protegida e redescoberta, para evitar que seja submergida pela ascensão da civilização impulsionada pelo impulso que vem do desenvolvimento da tecnologia. No entanto, em nome dessa busca por maneiras de reconstituir a unidade da cultura que queremos levar a bom termo, devemos nos perguntar se essa medida de ostracismo é tomada com bons motivos: é realmente verdade que a estrutura da realidade técnica se opõe à dos conteúdos mais autênticos da cultura? Não estamos lidando com um mito defensivo, comparável, no máximo, aos estereótipos mentais que um grupo étnico desenvolve quando se encontra em contato com um grupo diferente e que chega ao ponto de negar a natureza humana aos indivíduos do outro grupo? Gostaríamos de evitar a oposição da sacralidade e dos representantes da sacralidade ao desenvolvimento de técnicas e, acima de tudo, à sua total integração ao conteúdo cultural, porque essa oposição nos parece derivar de um mito psicossocial (…) A catarse fácil que obtemos dos objetos técnicos anatematizados não pode reconstruir a unidade da cultura dissociada. Seria melhor tentar descobrir, sem preconceitos, a verdadeira estrutura e essência da tecnicidade, para ver se as sementes de valor, as linhas axiológicas que ela pode nos dar, não estão em profunda concordância com a sacralidade. Não estamos buscando substituir a sacralidade ou reduzi-la, mas mostrar que há uma relação isomórfica entre sacralidade e tecnicidade, uma relação que autoriza a existência de uma sinergia no campo psicossocial, uma vez que a sacralidade e a tecnicidade tenham sido desmistificadas. E apresentamos essa análise das estruturas como uma desmistificação paralela da sacralidade e da tecnicidade.