Este princípio, que descobre Parmênides e que os lógicos atuais chamam “princípio de identidade”, serviu-lhe de base para a sua construção metafísica. Parmênides diz: em virtude desse princípio de identidade (é claro que ele não o chamou assim; assim o denominaram muito depois os lógicos), em virtude do princípio de que o ser é, e o não-ser não é, princípio que ninguém pode negar sem ser declarado louco, podemos afirmar acerca do ser uma porção de coisas. Podemos afirmar, primeiramente, que o ser é único. Não pode haver dois seres; não pode haver mais que um só ser. Porque suponhamos que haja dois seres; pois, então, aquilo que distingue um do outro “é” no primeiro, porém “não é” no segundo. Mas se no segundo não é aquilo que no primeiro é, então chegamos ao absurdo lógico de que o ser do primeiro não é no segundo. Tomando isto absolutamente, chegamos ao absurdo contraditório de afirmar o não-ser do ser. Dito de outro modo: se há dois seres, que há entre eles? O não-ser. Mas dizer que há o não-ser é dizer que o não-ser, é. E isto é contraditório, isto é absurdo, não tem cabimento; essa proposição é contrária ao princípio de identidade.
Portanto, podemos afirmar que o ser é único, um. Mas ainda podemos afirmar que é eterno. Se não o fosse, teria princípio e teria fim. Se tem princípio, é que antes de começar o ser havia o não ser. Mas, como podemos admitir que haja o não-ser? Admitir que há o não-ser, é admitir que o não-ser é. Admitir que o não-ser é, é tão absurdo como admitir que este cristal é verde e não-verde. O ser é, o nãoser não é. Por conseguinte, antes que o ser fosse, havia também o ser; quer dizer, que o ser não tem princípio. Pela mesma razão não tem fim, porque se tem fim é que chega um momento em que o ser deixa de ser. E depois de ter deixado de ser o ser, que há? O não-ser. Mas, então, temos que afirmar o ser do não-ser, e isto é absurdo. Por conseguinte, o ser é, além de único, eterno. Mas não fica nisto. Além de eterno, o ser é imutável. O ser não pode mudar, porque toda mudança do ser implica o ser do não-ser, visto que toda mudança é deixar de ser o que era para ser o que não era, e, tanto no deixar de ser como no chegar a ser, vai implícito o ser do não-ser, o que é contraditório.
Mas, além de imutável, o ser é ilimitado, infinito. Não tem limites ou, dito de outro modo, não está em parte alguma. Estar em uma parte é encontrar-se em algo mais extenso e, por conseguinte, ter limites. Mas o ser não pode ter limites, porque se tem limites, cheguemos até estes limites e suponhamo-nos nestes limites. Que há além do limite? O não-ser. Mas então temos que supor o ser do não-ser além do ser. Por conseguinte o ser não pode ter limites e se não pode ter limites, não está em parte alguma e é ilimitado.
Mas há mais, e já chegamos ao fim. O ser é imóvel, não pode mover-se, porque mover-se é deixar de estar num lugar para estar em outro. Mas como predicar-se do ser — o qual, como acabamos de ver, é ilimitado e imutável — o estar em um lugar? Estar em um lugar supõe que o lugar onde está é mais amplo, mais extenso que aquilo que está no lugar. Por conseguinte, o ser, que é o mais extenso, o mais amplo que há, não pode estar em lugar algum, e se não pode estar em lugar algum, não pode deixar de estar no lugar; ora: o movimento consiste em estar estando, em deixar de estar num lugar para estar em outro lugar. Logo o ser é imóvel.
Se resumirmos todos esses predicados que Parmênides atribui ao ser, encontramos que o ser é único, eterno, imutável, ilimitado e imóvel. Já encontrou bastante coisa Parmênides. Mas, ainda vai além. [Morente]