Fernand Schwarz
Quando inclinamo-nos atentamente sobre a mensagem das tradições e filosofias do Oriente e do Ocidente, parece-nos que o Sagrado e o profano não são dois conceitos opostos, mas complementares. Eles indicam as duas direções ou tendências da Vida. Esta é considerada pela Tradição Universal como um grande sopro que percorre todos os elementos da criação, ritmando os atos dos homens e do mundo como uma respiração.
Essa respiração provoca um movimento que parte em duas direções: uma para o exterior, animada por uma força centrífuga, afastando-se do centro, portanto, de sua origem; e uma outra indo para o centro, animada por uma força centrípeta, retornando para as origens. A vida é movida simultaneamente por essas duas forças ou polaridades.
Graças à força centrífuga, ela difunde-se, dissipa-se, cria. Graças à força centrípeta, ela regenera-se, reconcentra-se, torna possível a renovação. Poder-se-ia identificar a força centrífuga com o profano, com a multiplicidade; e a força centrípeta com o Sagrado, com o movimento que aspira às origens, à Unidade.
O movimento para o Sagrado é um movimento para se lembrar, para se enraizar, para se qualificar.
A força centrífuga encarna a expansão quantitativa, isto é, o crescimento material e temporal que caracteriza o Universo do profano, pela fuga do centro. Longe de se excluírem mutuamente, Sagrado e Profano completam-se harmoniosamente.
Em todas as épocas, os homens souberam identificar, em terra, a presença dessas duas polaridades por intermédio de suas diferentes sensibilidades. Identificando os lugares que desprendiam um brilho, um “plus”, porque inspiravam o medo, a beleza, a contemplação, estes tornaram-se lugares do Sagrado, isto é , em que se manifestava a vontade de dominação do Sagrado: por exemplo, a floresta mágica, as árvores sagradas, as fontes, os rios. Os lugares em que, ao contrário, as forças dispersavam-se, em que o homem estava menos sob a influência do lugar, eram sempre ligados ao profano.
“Uma árvore ou uma planta jamais são sagradas enquanto árvore ou enquanto planta. Elas tornam-se sagradas por sua participação em uma realidade transcendente, e porque significam esta mesma realidade. Por sua consagração, a espécie vegetal concreta, «profana», é transubstanciada; segundo a dialética do sagrado, um fragmento (uma árvore, uma planta) vale o todo (o Cosmos, a Vida), um objeto profano torna-se uma hierofania”.
É esta faculdade de perceber o sagrado, inerente ao Homem, isto é, de ter acesso à dimensão do metafísico e do “sobrenatural”, pelo pensamento simbólico, que distingue o homem das outras espécies vivas do planeta; e não a Razão como acreditara-se durante os últimos séculos.
Durante milênios, como atestam as Tradições, os homens dedicaram-se a desenvolver em si estes espaços da consciência, capazes de refletir os princípios, provocar a irrupção do Sagrado, isto é, perceber a dimensão metafísica. O homem pôde, assim, “sacralizar”, isto é, fazer participar do global e do cósmico os atos particulares ou cotidianos de sua vida profana.
O Sagrado é, assim, o mediador entre o Divino e o homem, como é a Razão entre o homem e a realidade profana.
As pesquisas empreendidas, há um século, pelos historiadores das crenças e das religiões põem em evidência que é a capacidade de realizar a complementaridade dos contrários que permite ao homem atingir a harmonia e o equilíbrio. Este último é o fruto de uma grande tensão interior, que permite ao ser ultrapassar as contradições aparentes.
O SAGRADO é, portanto, a função que permite transcender os pares contrários; é uma função globalizante e de síntese.
Pelo Sagrado, o homem alcança a quintessência; o Sagrado permite à consciência mudar de estágio, qualificar-se mais e operar uma síntese transfiguradora, uma verdadeira mutação.
Em compensação, a Razão, dualista por natureza, não pode sair da contradição.
A função do Sagrado é ser a ferramenta por excelência da Metafísica, enquanto disciplina de vida e não como um simples conceito intelectual.
A Razão pode focalizar-se no particular, e numa direção bem precisa, o que lhe permite controlar, de uma certa maneira, o mundo material.
É o lado prático da Razão que lhe permite ser a “mãe” das técnicas.
As vias da Razão e do Sagrado são, portanto, complementares, e o pensamento tradicional insistiu sempre no fato de que a Razão e a Intuição devem trabalhar em complementaridade. De fato, a Razão permite exprimir a Intuição e esta alivia a Razão, evitando-lhe cair na repetição e na mecanicidade.