Schopenhauer (MVR2:90-92) – intuição – abstração – regras

Na prática, o conhecimento intuitivo do entendimento consegue guiar imediatamente a nossa conduta e o nosso comportamento, enquanto o conhecimento abstrato da razão só o pode fazer pela intermediação da memória. Daí nasce a vantagem do conhecimento intuitivo em todos os casos que não permitem tempo algum para ponderação, logo, nas relações diárias, nas quais as mulheres sobressaem-se precisamente por isso. Apenas quem conheceu intuitivamente a essência dos seres humanos, como via de regra eles são, e justamente assim apreende a individualidade de quem lhe é atualmente presente, saberá tratá-lo com segurança e de maneira correta. Alguém pode ter em mente todas as trezentas regras de prudência de Gracián; porém, isto não o protegerá de estupidezes e equívocos, se lhe falta aquele conhecimento intuitivo. Pois todo CONHECIMENTO ABSTRATO dá antes de tudo simples princípios e regras gerais; porém, o caso isolado quase nunca é recortado exatamente segundo a regra: ademais, esta deve ser primeiro trazida à memória no tempo certo; o que raras vezes ocorre pontualmente: em seguida, a partir do caso presente, deve ser formada a propositio minor e, por fim, a conclusão. Antes que tudo isso ocorra, a ocasião nos dá as costas na maioria das vezes, e então aqueles excelentes princípios e regras servem no máximo para avaliarmos depois a grandeza do erro cometido. Decerto que, através disso e com o tempo, a experiência e o exercício, vai crescendo lentamente a sabedoria de mundo; assim, em conexão com esta, as regras in abstracto podem sem dúvida tornar-se frutíferas. Ao contrário, o CONHECIMENTO INTUITIVO, que sempre apreende apenas o singular, está em relação imediata com o caso presente: regra, caso e aplicação são idênticos para ele, e a isso se segue imediatamente a ação. Daí explica-se por que o erudito, cujo mérito reside no reino dos conhecimentos abstratos, posta-se na vida real tão atrás do homem do mundo, cujo mérito consiste no perfeito conhecimento intuitivo, que uma disposição originária lhe concedeu e uma rica experiência desenvolveu. Entre os dois modos de conhecimento sempre mostra-se a relação entre o papel-moeda e o seu lastro: ora, assim como em muitos casos e negócios aquele é preferível a este, também há coisas e situações nas quais o conhecimento abstrato é mais útil que o intuitivo. A saber, se é um conceito que em determinada ocasião conduz a nossa ação; então ele tem a vantagem, uma vez apreendido, de permanecer inalterável; assim, sob sua condução, vamos à obra com plena segurança e firmeza. Contudo, essa segurança proporcionada do lado subjetivo pelo conceito é contrabalançada do lado objetivo pela insegurança que o acompanha: vale dizer, o conceito inteiro pode ser falso e sem fundamento, ou o objeto a ser tratado não está nele subsumido, visto que não é no todo ou em parte da sua classe. Nesse sentido, se num caso particular subitamente percebemos algo assim, então nos desconcertamos: se não percebemos, as consequências nos ensinarão. Por isso diz Vauvenargue: Personne n’est sujet à plus defautes, que ceux qui n’agissent que par réflexion.1 — Ao contrário, se aquilo que conduz de imediato o nosso agir é a intuição do objeto que tratamos e as suas relações, então vacilamos facilmente a cada passo: pois a intuição é sempre modificável, é ambígua, tem inesgotáveis particularidades em si, e mostra muitos lados um após o outro: agimos, por conseguinte, sem plena confiança. No entanto, essa insegurança subjetiva é compensada pela segurança objetiva: pois aqui não há conceito algum entre o objeto e nós, não perdemos este de vista: por conseguinte, se apenas vemos corretamente o que temos diante de nós e o que fazemos, encontraremos o que é correto. Portanto, perfeitamente segura é a nossa ação apenas quando é conduzida por um conceito cujo fundamento correto, plenitude e aplicabilidade ao caso presente são integralmente certos. A conduta que segue conceitos pode transformar-se em pedantismo, e a que segue a impressão intuitiva, em frivolidade.

  1. “Ninguém está mais sujeito a erros do que quem age apenas segundo a reflexão.” (N. T.)[]

Abellio, Raymond (29) Antiguidade (26) Aristotelismo (28) Barbuy, Heraldo (45) Berdyaev, N A (29) Bioética (65) Bréhier – Plotin (395) Coomaraswamy, Ananda (473) Enéada III, 2 (47) (22) Enéada IV, 3 (27) (33) Enéada IV, 4 (28) (47) Enéada VI, 1 (42) (32) Enéada VI, 2 (43) (24) Enéada VI, 3 (44) (29) Enéada VI, 7 (38) (43) Enéada VI, 8 (39) (25) Espinosa, Baruch (37) Evola, Julius (108) Faivre, Antoine (24) Fernandes, Sergio L de C (77) Ferreira da Silva, Vicente (21) Ferreira dos Santos, Mario (46) Festugière, André-Jean (41) Gordon, Pierre (23) Guthrie – Plotinus (349) Guénon, René (699) Jaspers, Karl (27) Jowett – Plato (501) Kierkegaard, Søren Aabye (29) Lavelle, Louis (24) MacKenna – Plotinus (423) Mito – Mistérios – Logos (137) Modernidade (140) Mundo como Vontade e como Representação I (49) Mundo como Vontade e como Representação II (21) Míguez – Plotino (63) Nietzsche, Friedrich (21) Noções Filosóficas (22) Ortega y Gasset, José (52) Plotino (séc. III) (22) Pré-socráticos (210) Saint-Martin, Louis-Claude de (27) Schuon, Frithjof (358) Schérer, René (23) Sophia Perennis (125)