Schopenhauer (MVR1) – aparência

Na maioria das vezes verá, entrementes, que a aparência de tal coisa se faz valer no mundo e goza o seu dia: e isso está em ordem. MVR1: Prefácio 2a ed

Pois, unir a coisa com a aparência da coisa é difícil, quando não impossível. MVR1: Prefácio 2a ed

A ilusão se dá quando um único e mesmo efeito pode ser produzido por duas causas completamente diferentes, sendo uma bastante frequente; a outra, rara: o entendimento, que não possui dado algum para distinguir qual das duas causas faz efeito, visto que este é o mesmo, pressupõe em todas as vezes a causa habitual; ora, como a sua atividade não é reflexiva nem discursiva, mas direta e imediata, a causa falsa posta-se diante de nós como objeto intuído, justamente a falsa aparência. MVR1: Livro I §6

Exemplos de tais enganos do entendimento, ou ilusões, são, ainda, o bastão de aparência quebrada ao ser submerso na água; a imagem nos espelhos esféricos que aparece atrás nas superfícies convexas, e bem adiante nas superfícies côncovas; bem como o aparente tamanho maior da lua no horizonte que no zênite, o qual não é óptico, visto que, como o micrômetro demonstra, o olho apreende a lua no zênite até num ângulo maior de visão do que no horizonte: é o entendimento que, como causa do brilho fraco da lua e de [68] todas as estrelas no horizonte, assume uma distância maior em relação a elas, avaliando-as como objetos terrestres conforme a perspectiva atmosférica, com MVR1: Livro I §6

Pois, de fato, esta é uma aparência refletida, algo derivado do conhecimento intuitivo e que, todavia, assumiu natureza e índole fundamentalmente diferentes, sem as formas do conhecimento intuitivo. MVR1: Livro I §8

No entanto, em última instância temos de computá-la entre as exteriorizações da Vontade que se dão por motivos: visto que outros motivos, ou seja, meras representações, podem determinar a Vontade, travando ou acelerando a respiração, com o que esta, como toda outra ação voluntária, adquire a aparência de poder ser travada, provocando assim livremente a asfixia. MVR1: Livro II §23

A separação, a aparência de uma diferença total entre os fenômenos da natureza inorgânica e a vontade, que percebemos como o íntimo de nosso próprio ser, origina-se antes de tudo do contraste entre a legalidade plenamente determinada de um tipo de fenômeno e a aparente arbitrariedade desregrada de outro. MVR1: Livro II §23

Num primeiro caso, referente às ações dos animais guiadas por conhecimento intuitivo e motivos, encontramos uma ação sem motivos, logo, consumada com a mesma necessidade da Vontade que atua cegamente: refiro-me ao impulso industrioso dos animais que, não sendo conduzidos por motivo ou conhecimento algum, até transmitem a aparência de executar as suas obras por meio de motivos abstratos, racionais. MVR1: Livro II §27

O que os diferencia, contudo, é que o animal não possui representação propriamente dita do [262] passado enquanto tal, embora este faça efeito sobre ele pelo médium do hábito, com o que, por exemplo, o cão reconhece o seu primeiro dono, mesmo depois de anos, ou seja, recebe a impressão habitual de sua aparência; todavia, não tem lembrança do tempo até então decorrido. MVR1: Livro III §36

Armado com o conhecimento que lhe conferimos, veria com indiferença a morte voando em sua direção nas asas do tempo, considerando-a como uma falsa aparência, um fantasma impotente, amedrontador para os fracos, mas sem poder algum sobre si, que sabe: ele mesmo é a Vontade, da qual o mundo inteiro é objetivação ou cópia; ele, assim, tem não só uma vida certa mas também o presente por todo o tempo, presente que é propriamente a forma única do fenômeno da Vontade; portanto, nenhum passado ou futuro infinitos, no qual não existiria, pode lhe amedrontar, pois considera a estes como uma miragem vazia e um Véu de Maya. MVR1: Livro IV §54

E mesmo que seja, segundo sua matéria, muito mais leve que o material da preocupação desaparecida, ainda assim conseguirá inflar a si mesmo até atingir a aparência da sua grandeza, e, dessa forma, ocupa por inteiro o trono da preocupação principal do dia. MVR1: Livro IV §57

O que diferencia a vingança da maldade, e em certa medida a desculpa, é uma aparência de direito, na medida em [464] que aquilo mesmo até agora tido como vingança, se for ordenado por lei, isto é, conforme uma regra predeterminada e conhecida no seio de uma comunidade que a sancionou, é punição, portanto exercício do direito. MVR1: Livro IV §65

Consequentemente, o horror íntimo do malvado em relação aos seus próprios atos, o qual ele tenta ocultar de si, contém ao mesmo tempo, junto ao pressentimento da nulidade e mera aparência do principii individuationis e da diferença por este posta entre si e outrem, também o conhecimento da veemência da própria vontade, da violência com a qual se entregou e apegou à vida, precisamente esta vida observada diante de si em seu lado terrível no tormento provocado em alguém por ele oprimido, e com quem, entretanto, é tão firmemente enlaçado que, exatamente dessa forma, o que há de mais horrível sai de si mesmo como um meio para afirmação completa da sua vontade. MVR1: Livro IV §65

Portanto, ao lado do conhecimento meramente sentido, da aparência e nulidade das formas da representação que separam os indivíduos, aquilo que dá à consciência moral o seu espinho é o auto-conhecimento da própria vontade e de seus graus. MVR1: Livro IV §65

No entanto, para evitar também nos olhos dos outros aquela aparência de malignidade, quero antes ainda trazer à luz do dia minhas profundamente sentidas reverência e gratidão a Kant, enunciando de maneira sucinta seu mérito principal, como este aparece aos meus olhos, e em verdade de pontos de vista tão gerais que não serei obrigado a tocar naqueles pontos que mais tarde terei de contradizer. MVR1: Apêndice §71

A mesma verdade, reapresentada de modo completamente outro, é também uma doutrina capital dos vedas e puranas, a saber, a doutrina de Maya, pela qual não se entende outra coisa senão aquilo que Kant nomeia o fenômeno em oposição à coisa-em-si; pois a obra de Maya é apresentada justamente como este mundo visível no qual estamos, um efeito mágico que aparece na existência, uma aparência inconstante e inessencial, em si destituída de ser, comparável à ilusão de ótica e ao sonho, um véu que envolve a consciência humana, um algo do qual é igualmente falso e igualmente verdadeiro dizer que é, ou não é. – MVR1: Apêndice §71

Contudo, uma tal investigação não pode de fato ser atribuída a Descartes e seus seguidores, mas apenas uma aparência disso, e, em todo caso, um esforço nessa direção [Bruno e Espinosa devem ser aqui completamente excetuados / Cada um deles se mantém por si mesmo e sozinho, e não pertencem ao seu século nem ao seu continente, os quais, a um recompensou com a morte, ao outro com perseguição e ignomínia / Sua existência e morte miseráveis neste Ocidente compara-se à de uma planta tropical na Europa / O verdadeiro torrão natal de seu espírito eram as margens do sagrado Ganges / Lá teriam levado uma vida tranquila e honrada, entre pessoas de mentalidade semelhanteBruno expressa clara e belamente, nos seguintes versos MVR1: Apêndice §71

Caso, porém, coloque-se de lado essa consideração e se o avalie de acordo com a louvada emancipação de pensamento de todos os grilhões, a ele creditada, e a inauguração de um novo período de imparcial e autônoma investigação, somos obrigados a achar que ele, como seu ceticismo ainda carente de verdadeira seriedade, e que assim se deixa vencer de maneira tão rápida e fácil, faz o semblante de querer livrar-se de uma vez por todas de todos as amarras das opiniões cedo implantadas e pertencentes ao seu tempo e à [532] sua nação; entretanto, o faz só em aparência e por um instante, para logo assumi-las de novo e mantê-las ainda mais firmemente; e assim ocorreu com todos os seus seguidores até Kant. MVR1: Apêndice §71

Contudo, ele não possui verdade a priori, nem a posteriori, mas obtém clandestinamente sua aparência de verdade de uma maneira bastante sutil e que doravante denuncio. MVR1: Apêndice §71

Uma tal investigação histórica teria livrado Kant da necessidade desagradável, na qual ele agora cai, quando faz aqueles três conceitos originarem-se [607] necessariamente da natureza da razão e, contudo, verificar que são insustentáveis e não podem ser fundados; com isso faz da nossa razão mesma uma sofista, ao dizer, p 339 (V, 397): “São procedimentos sofísticos não dos homens, mas da própria razão pura, das quais nem o mais sábio pode escapar e, talvez, só com muito esforço pode evitar o erro, embora nunca possa livrar-se da aparência que incessantemente dele zomba e o atormenta”. MVR1: Apêndice §71

Se Kant, como ele aqui pretende e também só na aparência o fez em ocasiões anteriores, simplesmente inferiu a coisa-em-si, e além disso com a grande inconsequência de uma conclusão por ele mesmo absolutamente proibida, que acaso estranho seria que, precisamente aqui, no momento em que pela primeira vez chega mais perto da coisa-em-si e a ilumina, logo reconhecesse nela a vontade, a Vontade livre que dá sinais de si no mundo só através de fenômenos temporais! Ora, eu de fato assumo, embora não o possa demonstrar, que Kant, todas as vezes em que falava da coisa-em-si, na profundeza mais escura de seu espírito sempre já pensava indistintamente na vontade. MVR1: Apêndice §71