Schopenhauer [FM:4] – ética de Kant como petição de princípio

tradução

O πρῶτον ψεῦδο [o erro primeiro] de Kant reside na ideia que ele se faz de ética, da qual aqui está a expressão mais clara (p. 62; R. 54): “Em uma filosofia na prática, não se trata de dar as razões disto que acontece, mas as leis disto que deveria acontecer, isso jamais aconteceu”. – Eis aí uma petição de princípio bem caracterizada. Quem te diz que existem leis às quais devemos submeter nossa conduta? Quem disse que isso tem que acontecer, que não acontece jamais? – De onde tomas o direito de colocar essa afirmação em primeiro lugar e depois nos impor, com o tom imperativo de um legislador, uma ética, declarando-a a única possível? Quanto a mim, ao contrário de Kant, digo que o moralista é como o filósofo em geral, que ele deve se contentar em explicar e esclarecer os dados da experiência, em tomar o que existe ou que chega à realidade, para alcançar a torná-lo inteligível; e que, por esse motivo, tem muito a fazer, consideravelmente mais do que foi feito até agora, após milhares de anos. De acordo com a petição de princípio cometida por Kant, e indicada acima, vemos esse filósofo, em seu Prefácio, que aborda todo o assunto, admitir diante de qualquer pesquisa que existam leis morais puras, e essa proposição subsiste no restante do livro e serve como base final para todo o sistema.

Burdeau