Santos Mater

Mãe – A MÃE
Diz-nos Otto Kerner: “Sobre a terra nada existe mais sagrado que a religião da mãe, pois ela nos leva ao mistério mais profundamente escrito em nossa alma, a relação da criança com a mãe.”

Mostra-nos Schmidt que o monoteísmo telúrico, que toma como símbolo a mãe, é próprio das culturas matriarcais. No entanto, encontramos esse culto, que ora é simbolizado pela terra, nas religiões ectônicas, ora pela lua, como símbolo do eterno feminino, e, também, da procissão ativa e passiva do devir, ao lado do culto do pai, simbolizado pelo sol. Na cultura egípcia, por ex., Osiris é exotericamente o sol, e Isis, a mãe, e ambos geram Horas, o filho.

Na linguagem filosófica, o eterno masculino, ativo e passivo, animas, com predominância sobre a anima, e o eterno feminino, passivo e ativo, anima, com predominância. sobre o animas, em sua inter-atuação, e reciprocidade consequentes, geram a ordem cósmica, simbolizada, neste caso, pelo três que, como já vimos, é o símbolo ternário que se,, refere à relação que surge da oposição, mas que dinamicamente, portanto evolutivamente, aponta a reciprocidade, sim bolinada pelo quatro, o quaternário, o mundo do devir.

Esotericamente, essa tríade não é principal, pois a divindade, como Um, a antecede ontológica e teologicamente, o que Akenaton quis transformar numa crença exotérica, através da adoração de Aton, a divindade suprema, fonte de todas as coisas, simbolizada pelo sol resplandescente. Em S. Francisco de Assis, em seus hinos, encontramos expressões como estas : “Nossa irmã, a terra, nossa mãe, que nos conserva e nos ampara, que produz os frutos mais variados,. como as flores multicores e como a erva dos prados.”

Entre os gregos, verificamos a adoração da terra, pois nascer, viver, é nascer dela, e morrer é a ela retornar. E. Teofrasto dizia que é preciso cantar e amar como aquela que gesta.

Na poesia dos diversos povos, encontramos sempre essa simbolização da terra, desde os mais primitivos até os mais cultos, como ainda encontramos o símbolo da mãe ligado à mãe-montanha. Como já vimos, a montanha é onde surgem os deuses como Mitra, Expectra, Natas, etc. Entre os gregos, Demétrius é o símbolo da terra produtora. Por isso a mulher simboliza a divindade quando gestadora e daí ter cunho feminino os cultos prestados à divindade como geradora.

Nalguns povos, esse culto é sempre acompanhado pelo culto do pai, sob formas às vezes de uma charrua ou de um bastão que fecunda a terra. Esse culto o encontramos, inclusive no cristianismo na Mater Dolorosa, na Virgem Mãe, pois a terra geradora é sempre virgem, sempre pura.

Entre os hindus, Kali é a deusa maternal, e ao mesmo tempo cruel, cujo culto tem origem, segundo muitos antropólogos, num período matriarca) na índia. O símbolo da Virgem Mãe, encontramos em Ártemis, em Hera, Hertha, dos germânicos, Maria, dos cristãos. É um símbolo universal, cuja interpretação e justificação exigiu muito da inteligência humana.

A mãe é sempre, no mais profundo do amor filial, a pureza e a virgindade, e deve ser entendida no seu sentido mais profundo como a da fecundidade criadora, sempre renovada. No cristianismo, a mãe se espiritualiza na Mater Gloriosa, a Mãe de Deus, que está no Céu.

A esfinge do Egito não é apenas um símbolo semi-teriomórfico, que Jung interpreta como a imago da mãe terrível (a mãe devoradora, mãe loba, que surge em muitos mitos e que, em alguns casos de psicose, manifesta-se em seres humanos).

Também seria ingênua a interpretação de que é apenas uma fantasia “egípcia”, como já o propuseram.

A interpretação mais consentânea com os conhecimentos herméticos é que a cabeça indica o saber humano, que ousa penetrar no que lhe é desconhecido; as garras de leão são a garantia dessa ousadia, que exige coragem, pois há uma coragem também ante o desconhecido; os flancos de touro, musculosos e fortes, são o símbolo da vontade, que quer e pode, do querer impetuoso, e as asas de águia para os vôos além, para o conhecimento oculto. (A águia voa mais alto que qualquer outra ave, e seu vôo direto ao sol, símbolo da divindade, empresta-lhe a significabilidade do pensamento que ascende ao divino, da mística luminosa, que penetra nos segredos da luz, do conhecimento).

Mas a mãe é poli-significável por muitos símbolos, mas, por sua vez, é símbolo de toda a raiz cósmica do homem. Ela é a terra, a fonte, a origem que gesta, que ampara, que sustenta, que acompanha, que alimenta, que dá o aconchego. Todas as carências humanas encontram nas reminiscências infantis um símbolo de tranquilidade, de sossego, de amparo, na mãe. Todo desejo de paz, de tranquilidade, de beatitude, etc. tende afigurar-se no símbolo da mãe.

Freud tomou-o apenas como simbolizado. O desejo de retorno à tranquilidade do ventre materno é a presença do esquema fático infantil da vida intra-uterina, que serve de símbolo ao desejo de beatitude, da felicitas.

0 penetrar no útero, o volver à gruta materna, o envolver-se na tranquilidade das águas da vida intra-uterina, é apenas um apontar vivencial, mas simbólico de um ímpeto cósmico mais amplo. A libido, que se manifesta sexualmente, é apenas uma coordenada do anelo humano, que toma essa forma, mas nela não deseja estacar.

0 incesto, como bem o frisou Jung, captando a sua simbólica, é um desejo de retornar à infância, à placidez da infância, ao maravilhoso da infância, em que toda intuição sensível é ainda nova, tem o valor de uma primícia. Na criança, esse desejo não é ainda incesto; só no adulto, cuja sexualidade desenvolvida não tolera já essa aplicação regressiva, surge com caráter incestuoso.

Compreendido assim, o desejo de retorno não implica a sexualidade em sentido judaico-cristão, que lhe empresta Freud. As imagens incestuosas são decorações da contribuição histórico-social do homem.

0 desejo de retorno ao ventre materno por um renascimento, por uma nova imersão nas águas, por um batismo, surge na simbólica dos ritos religiosos, mas todos são símbolos que se referem mais longinquamente ao anelo humano de beatitude, de bem absoluto, anseio de todo o ser vivo, que deseja alcançá-lo. Como as reminiscências infantis permanecem em esquemas que constituem o arcaico individual, levemente conscientes, mas sobretudo assumindo a forma de vivência, de desejos, de anelos, coordenam-se com o símbolo da mãe, simbolizada de tantos modos, sem perder a sua significabilidade para um símbolo que podemos analisar até alcançar o decenário, como vimos na hierarquia ascendente dos símbolos.

NA: Em contraposição à doutrina de Freud sobre o incesto os estudos antropológicos no campo das religiões nos mostram que a divindade nos é apresentada como pai e como mãe, isto é, como um ser viril ativo e ao mesmo tempo gerador feminino. A mãe gesta, o pai procria, a mãe concebe e o pai dá. Assim o Ser Supremo, como ato, realiza o cosmos. Portanto ele sofre a realização cósmica. Na concepção cristã, esta parte passiva pertence à criatura e não ao criador, que é ato puro.

Há, no incesto, não propriamente o desejo primário de retorno ao ventre materno em sentido meramente sexual, como pretende Jung, mas sim de retorno ao ventre da mãe, do deus-mãe, de onde fomos gerados, indicação, portanto, de um desejo de retorno que é universal, e de sentido teológico mais profundo. O retorno ao seio de Deus, que encontramos no cristianismo, revela-nos muito bem esse desejo.

Um estudo melhor do mito de Édipo nos daria uma compreensão mais profunda do incesto, não tão grosseira como a psicanálise pretendeu fazer, como se vê, por ex., no símbolo do touro no antigo Egito, e nas belas páginas do Tao-te-king, de Lau Tsu.

O desejo do incesto sexual pode surgir e surge, sem que negue essa via symbolica. É como uma proposta simbólica que anormalmente pode parecer o fim último, mas, na verdade, quando o itinerarium mysticum estaca a meio do caminho, oferece o perigo de cair nas formas viciosas, que revelam anormalidades. Mas, de qualquer modo, não negam o impulso mais longínquo que é sempre o desejo da eterna presença da beatitude, o summum bonum, que é a beatitude que o Ser Supremo, e só ele, pode oferecer, anelo de todas as grandes religiões, porque é um anelo do homem, a imersão e fusão final com a divindade, fusão que dela temos uma experiência na que se dá entre mãe e filho, ao fundir-se nela totalmente no ato de ser mãe e nele na simbiose de que jamais esquece. Por isso, é a mãe um simbolizado, mas também um grande símbolo, que liga ao transcendental, pois ultrapassa o humano e o cósmico.

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