Rosset (2012) – idiotice

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Não é apenas da Virgem que o poeta fala, é de tudo o que é virgem na medida em que é singular, escapando aos olhos do corpo e à interpretação da mente, na medida em que se resume a ser isso e nada mais do que isso. Uma única palavra exprime este duplo caráter, solitário e incognoscível, de tudo o que existe no mundo: a palavra idiotice. Idiôtès, idiota, significa simples, particular, único; por uma extensão semântica cujo significado filosófico é abrangente, pessoa desprovida de inteligência, ser desprovido de razão. Todas as coisas, todas as pessoas, são assim idiotas quando existem apenas em si mesmas, isto é, quando são incapazes de aparecer para além de onde estão e como são: incapazes, antes de mais, de se refletirem, de aparecerem no duplo do espelho. No entanto, o destino de toda a realidade é, em última análise, o fato de não se poder duplicar sem se tornar imediatamente outra coisa: a imagem oferecida pelo espelho não pode ser sobreposta à realidade que sugere. É o caso, em particular, do universo, que Ernst Mach descreveu, numa fórmula muito estranha e muito profunda, como “um ser unilateral cujo complemento em espelho não existe ou, pelo menos, não nos é conhecido”. Nenhum espelho pode captar o reflexo do universo, nenhum olho pode captar o corpo da Virgem: o universo não tem outro lugar, o corpo da Virgem grega é tudo em si, aos olhos de quem vê. O mundo, todos os corpos que ele contém, carecem para sempre do seu complemento em espelho. São eternamente idiotas.

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