Filosofia – Pensadores e Obras

problema

Nem toda questão se denomina problema, mas tão-só aquela que, por causa da dificuldade que lhe é intrínseca, não logra ser resolvida sem especial esforço. A exata posição de um problema assume importância capital para o progresso da ciência, especialmente da filosofia. Deve ele indubitavelmente referir-se a um dado, ou então, numa fase ulterior da investigação, ao já conhecido e, a partir daí, desenvolver as questões resultantes das obscuridades que envolvem o objeto. A elaboração metódica de um problema requer, além de uma clara empostação da questão, que se ponham em destaque, com nitidez, as razões pró e contra as aporias. Já Aristóteles acentua (no início do Livro III da Metafísica) a suma importância deste oportuno “duvidar” (dúvida) para toda pesquisa científica.

Assim como a empostação exata e fecunda do problema favorece a investigação científica, assim também as falsas empostações de um problema podem gerar confusão e desorientação. São sumamente inócuos aqueles pseudoproblemas que, por detrás de palavras altissonantes, ocultam questões que, depois de claramente conhecidas, sem dificuldade se resolvem, quer por ser trivial a solução, quer por carecerem de sentido. Muito mais perigosas são as falsas empostações de problemas, que tacitamente partem de uma pressuposição errônea e fazem enveredar a investigação por um caminho errado. Há problemas que, sem dúvida, encerram uma possível empostação da questão, mas que, não obstante, são infecundos, porque, p. ex., a solução deles supera radicalmente as forças humanas, ou porque faltam ainda os necessários trabalhos preparatórios, ou, finalmente, porque a solução, embora possível, devido à sua diminuta importância, não compensa o esforço que se lhes dedica. — De Vries. [Brugger]


(gr. problema; lat. Problema; in. Problem; fr. Problème, al. Problem; it. Problema).

Em geral, qualquer situação que inclua a possibilidade de uma alternativa. O problema não tem necessariamente caráter subjetivo, não é redutível à dúvida, embora, em certo sentido, a dúvida também seja um problema. Trata-se mais do caráter de uma situação que não tem um significado único ou que inclui alternativas de qualquer espécie. problema é a declaração de uma situação desse gênero.

A noção de problema foi elaborada pela matemática antiga, que a distinguiu da noção de teorema. Por problema entendeu-se uma proposição que parte de certas condições conhecidas para buscar alguma coisa desconhecida. Alguns geômetras (provavelmente os da escola platônica) acreditavam que sua ciência era constituída essencialmente por problemas; outros, por teoremas (Proclo, Com. ao I de Euclides, 11, 7-81, 22, Friedlein). Aristóteles definia o problema como um procedimento dialético que tende à escolha ou à recusa, ou também à verdade e ao conhecimento” (Top., I, II, 104 b), no qual as palavras “escolha” ou “recusa” significam as alternativas que se apresentam aos problemas de ordem prática, enquanto “verdade” e “conhecimento” designam as alternativas teóricas. Aristóteles exemplifica sua definição dizendo que pertence à primeira espécie o problema de saber se o prazer é um bem ou não; à segunda espécie, o problema de saber se o mundo é eterno (Ibid., 104 b 8). Visto que, onde existem problema também existem silogismos contrários, os problema, segundo Aristóteles, só podem nascer quando nãodiscurso concludente: em outros termos, o problema pertence ao domínio da dialética, isto é, dos discursos prováveis, e não ao da ciência. Seja como for, para Aristóteles o problema conserva o caráter de indeterminação que lhe é dado pela alternativa. No uso matemático do termo, porém, esse caráter foi-se atenuando. A lógica medieval desprezara a análise e a definição dessa noção, e quando ela volta a atrair a atenção dos lógicos, no séc. XVII, o significado que eles lhe atribuem é extraído da matemática. Assim, Jungius diz que “o problema ou a proposição problemática é uma proposição principal enunciando que alguma coisa pode ser feita, mostrada ou achada” (Logica hamburgensis, 1638, IV, 11, 7). Leibniz notava que “por problema os matemáticos entendem as questões que deixam em branco uma parte da proposição” (Nouv. ess., IV, II, 7). E foi recorrendo ao uso matemático que Wolff definiu: o problema como “uma proposição prática demonstrativa”, entendendo por “prática” a proposição “com a qual se afirma que alguma coisa pode ou deve ser feita” e excluindo explicitamente o significado aristoté-lico do termo (Log., §§ 266, 276). Não muito diferente é a definição de Kant: “problema são proposições demonstráveis que exigem provas ou expressam uma ação cujo modo de execução não é imediatamente certo” (Logik, § 38).

Também no pensamento moderno a noção de problema foi e continua sendo das mais negligenciadas. Embora falem o tempo todo em problema e achem que é sua função solucionar certo número deles, especialmente dos definidos como “máximos”, os filósofos não se preocuparam muito em analisar a noção correspondente. Na maioria das vezes o problema foi considerado como condição ou situação subjetiva e confundido com a dúvida. O próprio Mach o definia neste sentido, como “a discordância dos pensamentos entre si” (Erkenntniss und lntum, cap. XV; trad. fr., pp. 252-53). Só recentemente foi reconhecido o caráter de indeterminação objetiva, que define o problema: isto aconteceu na Lógica(1959) de Dewey, para quem o problema é a “propriedade lógica primária”. O problema é a situação que constitui o ponto de partida de qualquer indagação, ou seja, a situação indeterminada. “A situação indeterminada torna-se problemática no próprio processo de sujeição à indagação. Decorre de causas reais, como acontece, p. ex., no desequilíbrio orgânico da fome. Nada há de intelectual ou cognitivo na existência de situações desse gênero, a não ser que elas são a condição necessária para operações ou indagações cognitivas. O primeiro resultado do fato de promover a indagação é que a situação é reconhecida como problemática (Logic, cap. VI, trad. it., p. 161). A enunciação do problema permite a antecipação de uma solução possível, que é a ideia — a ideia exige o desenvolvimento das relações inerentes ao seu significado, que é o raciocínio. Finalmente, a solução real é a determinação da situação inicial, em que se chega a uma situação unificada em suas relações e distinções constitutivas. Análise análoga a esta, em sua estrutura fundamental, foi feita por G. Boas, que define o problema como “a consciência de um desvio da norma” (The Inquiring Mind, 1959, p. 56). Contudo, à análise de Dewey cabe acrescentar uma determinação fundamental: o reconhecimento do fato de que um problema não é eliminado ou destruído pela sua solução. Um “problema resolvido” não é um problema que não se apresentará mais como tal, mas é um problema que continuará a se apresentar com probabilidade de solução. A descoberta de um medicamento que cure uma doença é a solução de um problema, mas nem por isso o problema está eliminado, pois a doença continuará a ocorrer; portanto, o que a solução permite é, em certos limites, resolver o problema todas as vezes que ele se apresente. Com base neste caráter do problema, fala-se da problematicidade dos campos em que se apresenta o problema Neste sentido, o problema é diferente não só da dúvida (que, uma vez resolvida, está eliminada e é substituída pela crença), mas também da pergunta, que, uma vez respondida, perde o significado. [Abbagnano]