Ponczek: livre arbítrio

Ao contrário de Schopenhauer, que faz da vontade o pilar numênico de seu sistema filosófico, vendo-a como a coisa-em-si, Spinoza a considera tão-somente como uma ideia persistente que “ocupa o espaço mental”. Assim como dois corpos não podem ocupar a mesma extensão do espaço, as ideias, obedecendo à mesma ordem e conexão das coisas materiais, também se excluem momentaneamente podendo, a que prevalecer, associar-se à ação, devido a sua persistência.

Spinoza tampouco considera a vontade como a causa da ação, pois que esta pertence ao atributo extensão, enquanto que aquela, ao atributo pensamento, e, na sua filosofia, modos projetados em dois atributos distintos, embora relacionados, não se podem causar, resultando daí uma de suas mais discutidas proposições:

Nec corpus mentem ad cogitandum nec mens corpus ad motum, neque quitem nec aliquo (si quid est) aliud determinare potest (nem o corpo pode determinar a alma a pensar, nem a alma determinar o corpo a se mover ou repousar – ou qualquer outra coisa, se acaso houver outra coisa) (E III, prop. II).

A vontade é, pois, tão-somente uma ideia que persiste, sobrepondo-se às demais, e sendo assim correspondente à ação desencadeada pelo corpo:

A vontade e a inteligência são uma só e mesma coisa, ou seja, ideias singulares (E II, prop. XLIX, corol. + demo.).

Assim, enquanto a vontade é causada por outras ideias, a ação é, por sua vez, causada por outras ações. Ambas, segundo Spinoza, são elos de uma rede universal de ideias e eventos regidos por um determinismo universal. No entanto, a vontade, tanto para Spinoza como para Schopenhauer, está associada a corpos externos aos quais visamos modificar: o educador quer educar seus aprendizes, o pintor quer mudar as cores de suas telas, o escultor quer dar formas à pedra bruta e o trabalhador quer deslocar seus objetos de trabalho. Enquanto para Schopenhauer a vontade é numênica e, portanto, uma espécie de substância irremovível; para Spinoza, a vontade que se volta ao exterior poderá suscitar mais ou menos paixões, a depender das causas serem mais ou menos próprias ao ser voluntarioso. Segundo o filósofo alemão, em seu opúsculo Livre arbítrio[[SCHOPENHAUER, A. O livre arbítrio, Über den willen in der natur. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.]], com respaldo do próprio Spinoza, a vontade não é contingente ou absolutamente livre, pois, se dentro de certos limites físicos e sociais posso fazer o que quero, será que posso querer o que quero? Não será neste exato sentido que Einstein parece fazer coro às concepções convergentes de Spinoza e Schopenhauer, não reconhecendo nenhuma sorte de livre-arbítrio à vontade de acender seu cachimbo?

Sinceramente não consigo entender o que as pessoas querem dizer quando falam sobre a liberdade do arbítrio humano. Sinto, por exemplo, que desejo isto ou aquilo, mas que relação tem isso com a liberdade, eu simplesmente não compreendo. Sinto que desejo acender o meu cachimbo e o faço, mas como posso associar isso à ideia de liberdade? O que está por trás do ato de acender o cachimbo? Um outro ato de arbítrio?[[EINSTEIN, citado por PAIS, A.. Sutil é o Senhor, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997b, p. 156.]]

Queremos livremente as coisas ou o mundo determina de alguma maneira a nossa vontade? Seria esta apenas a ponta visível de um grande iceberg que é o desejo que seria livre o suficiente para desejar coisas opostas? Segundo esses pensadores, a vontade é determinada e, para Spinoza, associa-se às ações que o corpo humano realiza sobre os demais corpos que o cercam, ocorrendo paralelamente a um conjunto de ideias que a mente tem de seu próprio corpo atuante. Assim, para Spinoza, e por tabela para Einstein, nada existiria no universo de contingente, casual ou arbitrário, incluindo-se o próprio livre arbítrio, definido como a liberdade da vontade para escolher entre várias opções. Esta concepção leva os religiosos a acreditarem que, sem a graça divina, o indivíduo fatalmente incorrerá no pecado e no vício, enquanto os racionalistas pretendem que o livre arbítrio deva ser guiado pela razão.

Os homens enganam-se quando se julgam livres, e esta opinião consiste apenas em que eles têm consciência de suas ações, e são ignorantes das causas pelas quais são determinados. O que constitui, portanto, a ideia de sua liberdade é que eles não conhecem nenhuma causa de suas ações. Com efeito, quando dizem que as ações humanas dependem da vontade, dizem meras palavras das quais não têm nenhuma ideia. Efetivamente todos ignoram o que seja a vontade e como é que ela move o corpo (E II, prop. XXXV, esc.)

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