minha tradução
desde MacKenna
2. A primeira investigação nos obriga a considerar de partida a natureza da alma [psyche] – ou seja se uma distinção deve ser feita entre alma e alma essencial [psyche einai] [entre uma alma individual e a alma-espécie em si mesma].
Se uma tal distinção se dá, então a alma [no homem] é alguma espécie de composto [syntheron] e ao mesmo tempo podemos concordar que é um recipiente e – se só a razão [logos] permite – que todas as afetividades [pathe] e experiências realmente têm seu assento na alma, e com as afetividades todo estado e humor, seja bom ou mal.
Mas se a alma [no homem] e a alma essencial são uma e mesma coisa, então a alma será uma forma-ideal [eidos], não receptiva a todas as atividades [energeia] que ela comunica à outra espécie, mas possuindo dentro de si mesma aquele ato nativo dela própria que a razão manifesta.
Se assim é, então, de fato, podemos pensar da alma como uma imortal [athanatos] – se o imortal, o imperecível, deve ser impassível [apatheia], oferecendo algo de si mesmo mas ele mesmo nada tomando do exterior exceto daquilo que recebe dos existentes anteriores a ele mesmo, dos quais existentes, naquilo que são os mais nobres, ele não pode ser destacado.
Agora o que poderia trazer medo [phobos] a uma natureza assim não receptiva de todo o exterior? Medo demanda sentimento [pathos]. Nem haveria lugar para coragem [andreia]: coragem implica na presença de perigo. E tais desejos como são satisfeitos pelo preenchimento ou esvaziamento do corpo [soma], devem ser próprio de algo muito diferente da alma, somente daquilo que admite o preenchimento e a violência.
E como poderia a alma dar-se a qualquer mistura [mixis]? Um essencial não é misturado. Ou da intrusão de algo estranho? Se assim fizesse, estaria buscando a destruição de sua própria natureza. A dor [algos] deve estar igualmente longe dela. E o pesar [lype] – como e porque poderia sentir pesar? O que quer que possua existência é supremamente livre, habitando, sem mudança, dentro de sua própria natureza peculiar. E pode qualquer aumento trazer deleite, onde nada, nem mesmo qualquer coisa boa, pode advir? O que tal existente é, é não modificavelmente.
Assim certamente a percepção-dos-sentidos, a razão-discursiva [dianoia]; e toda nossa mentação ordinária [doxa] são estranhas à alma: pois a sensação [aisthesis] é um receptador – seja de uma forma-ideal ou de um corpo impassivo, e o raciocínio e toda ação mental ordinária lida com a sensação.
A questão ainda permanece para ser examinada no tocante às intelecções [noesis] – sejam estas designadas à alma – e quanto ao puro-prazer [hedone], se este pertence à alma em seu estado solitário.
2. Mas a respeito da alma, por conseguinte, é preciso investigar se a alma é diferente do ser da alma. Se assim é, a alma é um composto ; e não é absurdo que ela receba formas, que experimente paixões das quais falei, caso a razão lhe permita, e em geral que ela admita hábitos e disposições boas e más. Mas se a alma é idêntica ao ser da alma, ela é uma forma; ela não admite portanto nela nenhum dos atos que é capaz de produzir em um sujeito diferente dela; ela tem um ato imanente e interior a ela; qualquer que seja, a razão o descobre. Neste caso, é verdadeiro afirmar também que ela é imortal; pois um ser imortal e incorruptível não deve sofrer; dele mesmo informa os outros seres; mas não recebe nada deles, senão seres que lhe são anteriores, dos quais não é em nada separado, como por um corte, e que lhe são superiores. Que deveria temer um tal ser, posto que não admite nele nada de estrangeiro? Reservemos o temor ao ser capaz de sofrer. A confiança também não existe nele; ela é própria aos seres que podem ter a temer. Os desejos também não; há os que se satisfazem preenchendo ou esvaziando o corpo; não é a alma que sofre estes estados de plenitude e estes esvaziamentos. Como experimentará ela o desejo de misturar a outra coisa? Um essência permanece sem mistura. Porque desejará ela introduzir nela aquilo que aí não está? Ou do mesmo modo buscar não ser o que ela é. O sofrimento está também muito longe dela. Como e de que ela se afligirá? Um ser simples é suficiente para sisi mesmo, e permanece tal qual é em sua própria essência. Ela não tem mais também prazer, posto que o bem não se ajunta a ela e não sucede nela; pois ela é sempre aquilo que ela é. Sem sensação, nem reflexão, nem opinião nela; pois a sensação consiste em receber a forma ou as maneiras de ser de um corpo; a reflexão e a opinião revêm à sensação.
Quanto aos atos da inteligência, se os deixamos à alma, temos que examinar como existem nela; do mesmo modo o puro prazer, no caso que possa existir na alma só.
Igal
2. Pero primero hay que estudiar el alma. El alma y la esencia de alma ¿son dos cosas distintas? Porque si lo son, el alma será un compuesto, y ya no será absurdo —si, aun en este caso, lo permitiere el razonamiento— que el alma reciba y que sea ella el sujeto de tales emociones y, en general, de los hábitos y de las disposiciones peores y mejores. Pero si no, si el alma y la esencia de alma son lo mismo, el alma será una forma no susceptible de todas esas actividades que transmite a otro pero reteniendo en sí misma, como connatural a sí misma, la actividad, sea cual fuere, que nos descubra el razonamiento1. Porque así es como se la podrá llamar de verdad inmortal, pues que lo inmortal e incorruptible debe ser impasible, dando de sí a otro de algún modo, pero sin recibir de otro nada más que cuanto recibe de los que le anteceden, de los cuales, aun siendo superiores, no está desconectado. Porque un ser de tal calidad, no siendo susceptible de ninguna cosa exterior, ¿de qué puede temer? Sólo teme aquello que sea capaz de padecer. Y, por tanto, tampoco es atrevido. ¿Cabe atrevimiento en quienes no están en presencia de cosas temibles? ¿Caben apetitos, cuando los apetitos se satisfacen mediante el cuerpo, según que éste se vacíe o se llene, siendo distinto del alma quien se llena o se vacía?
—Y de mezcla, ¿cómo está?
—¡Si lo sustancial no es miscible!
—¿Y de infiltración de ciertas cosas?
—Eso sería afanarse por dejar de ser lo que es. Y el dolor está más lejos todavía. Pero apenarse, ¿cómo o de qué? Precisamente lo que es simple en esencia es autosuficiente, porque permanece en su propia esencia tal como es. Y ¿qué se le agrega, para que sienta placer, si nada, ni aun lo bueno, se le agrega? Lo que es, lo es por siempre. Es más, tampoco tendrá sensación, y ni el razonamiento ni la opinión se darán en aquel ser, porque la sensación es la recepción de una forma o de una afección del cuerpo, y el razonamiento y la opinión tienen su origen en una sensación. Acerca de la intelección, hay que examinar el cómo, caso que se la permitamos; y lo mismo ha de decirse del placer puro, si es que le sobreviene al alma cuando está sola.
Bréhier
2. Mais au sujet de l’âme, d’abord, il faut chercher si l’âme est différente de l’être de l’âme. S’il en est ainsi, l’âme est un composé ; et il n’est pas absurde qu’elle reçoive des formes, qu’elle éprouve les passions dont j’ai parlé, au cas où la raison le lui permettra, et en général qu’elle admette des habitudes et des dispositions bonnes ou mauvaises. Mais si l’âme est identique à l’être de l’âme, elle est une forme ; elle n’admet donc en elle aucun des actes qu’elle est capable de produire en un sujet différent d’elle ; elle a un acte immanent et intérieur à elle-même ; quel qu’il soit, la raison nous le découvre. En ce cas, il est vrai de dire aussi qu’elle est immortelle ; car un être immortel et incorruptible ne doit pas pâtir ; il fait part de lui-même aux autres êtres ; mais il ne reçoit rien d’eux, sinon des êtres qui lui sont antérieurs, dont il n’est point séparé comme par une coupure et qui lui sont supérieurs. Qu’aurait à craindre un tel être, puisqu’il n’admet en lui rien d’étranger ? Réservons la crainte à l’être capable de pâtir. La confiance, non plus, n’existe pas en lui ; elle est propre aux êtres qui peuvent avoir à craindre. Les désirs non plus ; il en est qui se satisfont en remplissant ou en vidant le corps ; ce n’est point l’âme qui subit ces états de plénitude et ces évacuations. Comment éprouverait-elle le désir de se mêler à autre chose ? Une essence reste sans mélange. Pourquoi désirerait-elle introduire en elle ce qui n’y est pas ? Autant chercher à n’être pas ce qu’elle est. La souffrance est aussi bien loin d’elle. Comment et de quoi s’affligerait-elle ? Un être simple se suffit à lui-même, et il reste tel qu’il est en sa propre essence. Elle n’a pas non plus de plaisir, puisque le bien ne s’ajoute point à elle et ne survient pas en elle ; car elle est toujours ce qu’elle est. Pas de sensation non plus, ni de réflexion, ni d’opinion en elle ; car la sensation consiste à recevoir la forme ou les manières d’être d’un corps ; la réflexion et l’opinion reviennent à la sensation.
Quant aux actes de l’intelligence, si nous les laissons à l’âme, nous avons à examiner comment ils existent en elle ; il en est de même du plaisir pur, au cas où il peut exister dans l’âme toute seule.
Guthrie
THE SOUL AS A COMPOSITE AGGREGATE.
2. Let us first examine the soul (herself). Is there any difference between the soul and the soul-essence?
If there be a difference, the soul must be a composite aggregate: and it should no longer be a matter of surprise that both she and her essence, at least so far as she admits thereof, together experience the above mentioned passions, and in general the habits, and better or worse dispositions. But, on the contrary, if soul and soul-essence be identical, then the soul should be a form which would be unreceptive for all these energies of essence, which on the contrary she imparts to other things, possessing in herself a connate energy which our reason reveals in her. In this case we must acknowledge that she is immortal, inasmuch as the immortal and undecaying must be impassible, giving to others without receiving anything in return from them; or at least, deriving nothing but from the superior (or anterior) principles, from which she is not cut off, inasmuch as they are better.
THE SOUL IS NOT ESSENCE.
A being that were so unreceptive to anything external would have no ground for fear of anything external. Fear might indeed be natural to something. Neither would she be bold, for this sentiment, implies shelter from what is terrifying. As to such desires which are satisfied by the emptying or filling of the body, they belong only to some nature foreign enough to be emptied or filled. How could she participate in a mixture, inasmuch as the essential is unmingled? Further she would not wish to have anything introduced (in herself), for this would imply striving to become something foreign to herself. She would alsof be far from suffering, for how could she grieve, and about what ? For that which is of simple being is self-sufficient, in that she remains in her own being. Neither will she rejoice at any increase, as not even the good could happen to her. What she is, she ever will be. Nor could we attribute to the pure soul sensation, ratiocination or opinion; for sensation is the perception, of a form or of an impassible body; and besides ratiocination and opinion (depend) on sensation. We shall, however, have to examine whether or no we should attribute to the soul thought; also, whether pure pleasure can affect a soul while she remains alone [[See Porphyry, Faculties of the Soul, and Ficinus. commentary on this book.]].
MacKenna
2. This first enquiry obliges us to consider at the outset the nature of the Soul – that is whether a distinction is to be made between Soul and Essential Soul [between an individual Soul and the Soul-Kind in itself]. [[All matter shown in brackets is added by the translator for clearness’ sake and, therefore, is not canonical. S.M.]]
If such a distinction holds, then the Soul [in man] is some sort of a composite and at once we may agree that it is a recipient and- if only reason allows- that all the affections and experiences really have their seat in the Soul, and with the affections every state and mood, good and bad alike.
But if Soul [in man] and Essential Soul are one and the same, then the Soul will be an Ideal-Form unreceptive of all those activities which it imparts to another Kind but possessing within itself that native Act of its own which Reason manifests.
If this be so, then, indeed, we may think of the Soul as an immortal- if the immortal, the imperishable, must be impassive, giving out something of itself but itself taking nothing from without except for what it receives from the Existents prior to itself from which Existents, in that they are the nobler, it cannot be sundered.
Now what could bring fear to a nature thus unreceptive of all the outer? Fear demands feeling. Nor is there place for courage: courage implies the presence of danger. And such desires as are satisfied by the filling or voiding of the body, must be proper to something very different from the Soul, to that only which admits of replenishment and voidance.
And how could the Soul lend itself to any admixture? An essential is not mixed. Or of the intrusion of anything alien? If it did, it would be seeking the destruction of its own nature. Pain must be equally far from it. And Grief- how or for what could it grieve? Whatever possesses Existence is supremely free, dwelling, unchangeable, within its own peculiar nature. And can any increase bring joy, where nothing, not even anything good, can accrue? What such an Existent is, it is unchangeably.
Thus assuredly Sense-Perception, Discursive-Reasoning; and all our ordinary mentation are foreign to the Soul: for sensation is a receiving – whether of an Ideal-Form or of an impassive body – and reasoning and all ordinary mental action deal with sensation.
The question still remains to be examined in the matter of the intellections- whether these are to be assigned to the Soul- and as to Pure-Pleasure, whether this belongs to the Soul in its solitary state.