Semelhante é a situação da relação de Blaga com Gerald Holton. Holton passou a ser famoso na filosofia da ciência pela “análise temática das teorias científicas”.1 Este tipo de análise lógico-histórica, que Blaga também praticou em seus estudos dedicados à ciência, se baseia na ideia de que qualquer teoria científica pode ser analisada em três dimensões, que são irredutíveis uma à outra e que concorrem de modo específico a cada uma para a configuração estrutural da teoria. Holton distinguiu entre uma dimensão “lógica”, uma dimensão “empírica” e uma dimensão “temática” das teorias científicas. Conhecidas e já extensamente analisadas haviam sido, até Holton, as primeiras duas dimensões, as únicas que a filosofia da ciência levara em consideração até então. A originalidade de Holton é a de ter identificado e descrito a dimensão “temática”, construindo um modelo de análise epistemológica que denominou, com uma fórmula feliz, “the thematic imagination in Science”.2 Sem a precisão terminológica de Holton e sem poder ser facilmente enquadrado na tradição disciplinar em que são escritas as contribuições deste, Blaga distinguia também ele, de modo sistemático, já desde 1934, entre três dimensões de qualquer teoria científica: a dimensão empírica, a dimensão teorética e a dimensão que ele denominava “ressonância atitudinal”.3 As análises de Blaga quanto à “carga teorética” das observações, assim como estas são construídas pelo experimento [261] matematizado, permanecem exemplares 4 – e realizadas sem defeito antes do tempo em que, no mundo anglo-saxão, este tipo de análise começou a ser feito sistematicamente.5 Blaga viu como nenhum outro, em seu tempo, que são mudos os fatos sem teorias; que os instrumentos modernos de investigação científica são a “resultante congelada” de alguns experimentos, o que significa que uma observação científica implica, de fato, todos os experimentos; e que a novidade dos experimentos modernos consta no fato de que não são um simples alargamento da experiência direta, mas representam uma modalidade de fazer, através delas, a experiência de um domínio de existência que, até elas, tinha sido apenas das teorias inventadas pelo homem, e nunca do homem natural pura e simplesmente.6
- Gerald Holton, Thematic Origins of Scientific Thought, Kepler to Einstein. Cambridge, Mass., and London, Harvard University Press, 1973.[↩]
- Gerald Holton, “On the Thematic Analysis of Science” [1964] (representa o capítulo I do volume citado mais acima: Thematic Origins of Scientific Thought, p. 47-68); igualmente “On the Role of Themata in Scientific Thought” [1975]. ln: The Scientific Imagination, p. 3-24.[↩]
- Lucian Blaga, Censura Transcendenta [1934]. In: Opere, vol. 8, as explicações dele estão a p. 443 ss. Este tipo de tratamento reencontra-se, implicita ou explicitamente, em todos os seus estudos dedicados à ciência.[↩]
- Ver a discussão quanto à interpretação de fotografias feitas em câmara de vapores d água, neste volume, no capítulo “Experimento e Teoria”, p. 199: “O experimento e a teoria determinam um ao outro. […] “a ‘teoria’ participa mesmo, […] na identificação dos fatos experimentais (p. 207)”. As fontes de Blaga, neste aspecto, são dadas no texto: Louis Pasteur, Henri Poincaré e Heinrich Hertz, para a orientação geral, e Pierre Duhem, para a análise técnica (citada por Blaga segundo E. Meyerson, Du Cheminement de la Pensée, 1931; a análise de Duhem foi feita em 1906, no estudo clássico La Theorie Physique: Son Object, Sa Structure).[↩]
- Embora Pierre Duhem (em 1906) possa ser considerado o autor da tese da “carga” teorética das observações, das percepções ou dos fatos, a tese ganhou popularidade na filosofia da ciência depois das obras de Norwood Russell Hanson, Patterns of Discovery. An lnquiry into the Conceptual Foundations of Science. Cambridge, Cambridge University Press, 1958: “There is a sense, then, in which seeing is a ‘theory-laden’ undertaking” [Há um sentido, então, em que a visão é um empreendimento de ‘carga de teoria’ (N. T.)] (p. 19; igualmente, p. 54 ss; 59; 62 etc.)[↩]
- Opere, vol. 8, p. 701; 704; 705.[↩]