português
As respostas que se deram à pergunta — que é a técnica? — são de uma pavorosa superficialidade. E o pior do caso é que não se pode atribuir ao acaso. Essa superficialidade é compartida por quase todas as questões que se referem verdadeiramente ao humano no homem. E não será possível pôr alguma clareza nelas se não nos resolvemos a tomá-las no estrato profundo onde surge todo o propriamente humano. Enquanto prosseguirmos, ao falar de assuntos que nos dizem respeito, dando por suposto que sabemos bem o que é o humano, somente conseguiremos deixar sempre de lado a verdadeira questão. E isto acontece com a técnica. Convém levar em conta todo o radicalismo que deve inspirar nossa interrogação. Como é que no universo existe essa coisa tão estranha, esse fato absoluto que é a técnica, o fazer técnica o homem? Se intentamos, com seriedade, aproximar-nos a uma resposta, temos que resolver-nos a submergir-nos em certas inevitáveis funduras.
E então nos encontramos com que no universo acontece o seguinte fato: um ente, o homem, se vê obrigado, se quer existir, a estar em outro ente, o mundo ou a natureza. Ora, esse estar um no outro — o homem no mundo — podia adotar um destes três aspectos:
1.°) Que a natureza oferecesse ao homem para sua permanência nela puras facilidades. Isto queria dizer que o ser do homem e do mundo coincidiam plenamente ou, o que é igual, que o homem era um ser natural. Assim acontece com a pedra, com a planta, provavelmente com o animal. Se assim fosse, o homem careceria de necessidades, não notaria falta de nada, não seria indigente. Seus desejos não se diferenciariam da satisfação desses mesmos desejos. Não desejaria senão o que existe no mundo tal e como existe, ou vice-versa, o que ele desejasse te-lo-ia, como na estória da varinha mágica. Um ente assim não poderia sentir o mundo como alguma coisa diferente dele, posto que não lhe ofereceria resistência. Andar pelo mundo seria o mesmo que andar por dentro de si mesmo.
2.°) Mas poderia ocorrer o inverso. Que o mundo não oferecesse ao homem senão puras dificuldades ou, o que é igual, que o ser do homem e do mundo fossem totalmente antagônicos . Neste caso, o homem não poderia alojar-se no mundo, não poderia estar nele nem uma fração de segundo. Isso que chamamos vida humana não existiria e, portanto, tampouco a técnica.
3.°) A terceira possibilidade é a que efetivamente ocorre: que o homem, ao ter que estar no mundo, se encontra com que este é em torno de si mesmo uma intrincada rede, tanto de facilidades como de dificuldades. Quase não há coisas nele que não sejam em potência um ou outro. A terra é algo que o sustenta com sua solidez e lhe permite estirar-se para descansar ou correr quando tem que fugir. Aquele que naufraga ou cai de um telhado se dá perfeitamente conta do favorável que é essa coisa tão humilde pelo habitual que é a solidez da terra. Mas a terra é também distância; infelizmente muita terra o separa da fonte quando está sedento, e às vezes a terra se empina; é uma ravina penosa que é preciso subir. Este fenômeno fundamental, talvez o mais fundamental de todos — isto é, que nosso existir consiste em estar rodeado tanto de facilidades como de dificuldades — dá seu especial caráter ontológico à realidade que chamamos vida humana, ao ser do homem.
Porque se não encontrasse facilidade alguma, estar no mundo lhe seria impossível, isto é, que o homem não existiria e não faria questão. Como encontra facilidades em que apoiar-se, resulta que lhe é possível existir. Mas como acha também dificuldades, essa possibilidade é constantemente embaraçada, negada, posta em perigo. Daí a existência do homem, seu estar no mundo, não ser um passivo estar, pois tem, à força e constantemente, que lutar contra as dificuldades que se opõem a que seu ser se aloje nele. Note-se bem: à pedra lhe é dada feita sua existência, não tem que lutar para ser o que é: pedra na paisagem. Mas para o homem existir é ter que combater incessantemente com as dificuldades que o contorno lhe oferece; portanto, é ter que fazer-se em cada momento sua própria existência. Diríamos, pois, que ao homem lhe é dada a abstrata possibilidade de existir, mas não lhe é dada a realidade. Esta tem que conquistada ele, minuto após minuto: o homem não apenas economicamente, mas metafisicamente, tem que ganhar a vida por sisi mesmo.
E tudo isto — por quê? Evidentemente — não é senão dizer o mesmo com outras palavras — porque o ser do homem e o ser da natureza não coincidem plenamente. Pelo visto, o ser do homem tem a estranha condição de que em parte resulta afim com a natureza, mas em outra parte não, que é ao mesmo tempo natural e extranatural, uma espécie de centauro ontológico, que meia porção dele está imersa, evidentemente, na natureza, mas a outra parte transcende dela. Dante diria que está nela como as barcas arrimadas à beira-mar, com meia quilha na praia e a outra meia na costa. O que tem de natural se realiza por sisi mesmo: não lhe é problema . Mas, por isso, não o sente como seu autêntico ser. Ao contrário, sua porção extranatural não é, evidentemente, e sem mais, realizada, já que consiste, como se sabe, numa mera pretensão de ser, num projeto de vida. É isto o que sentimos como nosso verdadeiro ser, o que chamamos nossa personalidade, nosso eu. Não há-de interpretar-se essa porção extranatural e antinatural de nosso ser no sentido do velho espiritualismo. Não me interessam agora os anjinhos, nem sequer isso que se chamou espírito, ideia confusa túrgida de mágicos reflexos.
Se os senhores refletirem um pouco acharão que isso que chamam sua vida não é senão o afã de realizar um determinado projeto ou programa de existência. E seu “eu”, o de cada qual, não é senão esse programa imaginário. Tudo o que fazem os senhores o fazem a serviço desse programa. E se estão os senhores agora ouvindo-me é porque acreditam, de um ou de outro modo, que fazer isso lhes serve para chegar a ser, íntima e socialmente, esse eu que cada um dos senhores sente que deve ser, que quer ser. O homem é, pois, antes de mais nada, alguma coisa que não tem realidade nem corporal nem espiritual; é um programa como tal: portanto, o que ainda não é, mas que aspira a ser. Dir-se-á que não pode haver programa se alguém não o pensa, se não há, portanto, ideia, mente, alma ou como se lhe queira chamar. Eu não posso discutir isto a fundo pois teria que embarcar-me num curso de filosofia. Somente posso fazer esta observação: ainda que o programa ou projeto de ser um grande financista tem que ser pensado numa ideia, “ser” esse projeto não é ser essa “ideia”. Eu penso sem dificuldade essa ideia e, contudo, estou bem longe de ser esse projeto.
Eis aqui a tremenda e ímpar condição do ser humano, o que faz dele alguma coisa única no universo. Advirta-se o aspecto estranho e triste do caso. Um ente cujo ser consiste, não no que já é, mas no que ainda não é, um ser que consiste em ainda não ser. Todo o resto do universo consiste no que já é. O astro é o que já é, nem mais nem menos. Todo aquele cujo modo de ser consiste em ser o que já é e no qual, portanto, coincide, evidentemente, sua potencialidade com sua realidade, o que pode ser com o que, com efeito, já é, chamamos coisa. A coisa tem seu ser já dado e obtido.
Neste sentido, o homem não é uma coisa mas uma pretensão, a pretensão de ser isto ou aquilo. Cada época, cada povo, cada indivíduo modula de diverso modo a pretensão geral humana.
Agora, penso, compreendem-se bem todos os termos do fenômeno fundamental que é nossa vida. Existir é para nós achar-nos de pronto tendo que realizar a pretensão que somos numa determinada circunstância. Não se nos permite eleger de antemão o mundo ou circunstância em que temos que viver, já que nos encontramos, sem nossa anuência prévia, submersos num contorno, num mundo que é o de aqui e agora. Esse mundo ou circunstância em que me encontro submerso não é somente a paisagem que me rodeia, mas também meu corpo e também minha alma. Eu não sou meu corpo; encontro-me com ele e com ele tenho que viver, seja são seja doente, mas também não sou minha alma: encontro-me com ela e tenho que usar dela para viver, ainda que às vezes me sirva mal porque tem pouca vontade ou nenhuma memória. Corpo e alma são coisas, e eu não sou uma coisa, mas um drama, uma luta para chegar a ser o que tenho que ser. A pretensão ou programa que somos oprime com seu peculiar perfil esse mundo em torno, e este responde a essa pressão aceitando-a ou resistindo-a, isto é, facilitando nossa pretensão em alguns pontos e dificultando em outros.
Agora posso dizer o que antes não se teria entendido bem. Isso que chamamos natureza, circunstância ou mundo não é originariamente senão o puro sistema de facilidades e dificuldades com que o homem-programático se encontra. Aqueles três nomes — natureza, mundo, circunstância — são já interpretações que o homem dá ao que primariamente encontra, que é somente um conjunto de facilidades e dificuldades. Sobretudo, “natureza” e “mundo” tão dois conceitos que qualificam aquilo a que se referem como alguma coisa que está aí, que existe por si, independentemente do homem. O mesmo acontece com o conceito “coisa”, o qual significa algo que tem um ser determinado e fixo e que o tem separado do homem e por si. Mas, repito, tudo isto já é reação intelectual interpretativa ao que primitivamente achamos em torno do nosso eu. E isso que primitivamente achamos não tem um ser aparte e independente de nós, porquanto esgota sua consistência em ser facilidade ou dificuldade, portanto, no que é com referência à nossa pretensão. Somente em função desta é alguma coisa facilidade ou dificuldade. E consoante seja a pretensão que nos informa, assim serão estas ou as outras, maiores ou menores, as facilidades e dificuldades que integram o puro e radical contorno. Assim se explica que o mundo seja para cada época, e mesmo para cada homem, alguma coisa diversa. Ao perfil de nosso pessoal programa, perfil dinâmico que oprime a circunstância, responde esta com outro perfil determinado composto de facilidades e dificuldades peculiares . Evidentemente, não é o mesmo o mundo para um comerciante que para um poeta: onde este tropeça aquele nada com satisfação; o que a este repugna àquele lhe regozija. Está claro que o mundo de ambos terá muitos elementos comuns: os que respondem à pretensão genérica que é o homem enquanto espécie. Mas precisamente porque o ser do homem não lhe é dado, já que é, como vimos, pura possibilidade imaginária, a espécie humana é de uma inestabilidade e variabilidade incomparáveis com as espécies animais. Em suma, que os homens são enormemente desiguais, contra o que afirmam os igualitários dos dois últimos séculos e continuam afirmando os arcaicos do presente.
original
Las respuestas que se han dado a la pregunta ¿qué es la técnica?, son de una pavorosa superficialidad. Y lo peor del caso es que no puede atribuirse al azar. Esa superficialidad es compartida por casi todas las cuestiones que se refieren verdaderamente a lo humano en el hombre. Y no será posible poner alguna claridad en ellas si no nos resolvemos a tomarlas en el estrato profundo donde surge todo lo propiamente humano. Mientras sigamos, al hablar de asuntos que nos afectan, dando por supuesto que sabemos bien lo que es lo humano, sólo lograremos dejarnos siempre la verdadera cuestión a nuestra espalda. Y esto acontece con la técnica. Conviene hacerse cargo de todo el radicalismo que debe inspirar nuestra interrogación. ¿Cómo es que en el universo existe esa cosa tan extraña, ese hecho absoluto que es la técnica, el hacer técnica el hombre? Si intentamos en serio aproximarnos a una respuesta, tenemos que resolvernos a sumergirnos en ciertas ineludibles honduras.
Y entonces nos encontramos con que en el universo acontece el siguiente hecho: un ente, el hombre, se ve obligado, si quiere existir, a estar en otro ente, el mundo o la naturaleza. Ahora bien: ese estar el uno en el otro —el hombre en el mundo— podía adoptar uno de estos tres carices:
1.º Que la naturaleza ofreciese al hombre para su estancia en ella puras facilidades. Esto querría decir que el ser del hombre y del mundo coincidían plenamente o, lo que es igual, que el hombre era un ser natural. Así acontece con la piedra, con la planta, probablemente con el animal. Si así fuese, el hombre carecería de necesidades, no echaría de menos nada, no sería menesteroso. Sus deseos no se diferenciarían de la satisfacción de esos mismos deseos. No desearía sino lo que hay en el mundo tal y como lo hay, o viceversa, lo que él desease lo habría ipso facto, como en el cuento de la varita de las virtudes. Un ente así no podría sentir el mundo como algo distinto de él, puesto que no le ofrecería resistencia. Andar por el mundo sería igual que andar por dentro de sí mismo.
2.º Pero podría ocurrir lo inverso. Que el mundo no ofreciese al hombre sino puras dificultades o, lo que es igual, que el ser del hombre y el del mundo fuesen totalmente antagónicos. En este caso, el hombre no podría alojarse en el mundo, no podría estar en él ni una fracción de segundo. Eso que llamamos vida humana no existiría y, por lo tanto, tampoco la técnica.
3.º La tercera posibilidad es la que efectivamente se da: que el hombre, al tener que estar en el mundo, se encuentra con que éste es en derredor suyo una intrincada red, tanto de facilidades como de dificultades. Apenas hay cosas en él que no sean en potencia lo uno o lo otro. La tierra es algo que le sostiene con su solidez y le permite tenderse para descansar o correr cuando tiene que huir. El que naufraga o se cae de un tejado se da bien cuenta de lo favorable que es esa cosa tan humilde por lo habitual que es la solidez de la tierra. Pero la tierra es también distancia; a lo mejor mucha tierra le separa de la fuente cuando está sediento, y a veces la tierra se empina; es una cuesta penosa que hay que subir. Este fenómeno radical, tal vez el más radical de todos —a saber: que nuestro existir consiste en estar rodeado tanto de facilidades como de dificultades—, da su especial carácter ontológico a la realidad que llamamos vida humana, al ser del hombre.
Porque si no encontrase facilidad alguna, estar en el mundo le sería imposible, es decir, que el hombre no existiría y no habría cuestión. Como encuentra facilidades en qué apoyarse, resulta que le es posible existir. Pero como halla también dificultades, esa posibilidad es constantemente estorbada, negada, puesta en peligro. De aquí que la existencia del hombre, su estar en el mundo, no sea un pasivo estar, sino que tenga, a la fuerza y constantemente, que luchar contra las dificultades que se oponen a que su ser se aloje en él. Nótese bien: a la piedra le es dada hecha su existencia, no tiene que luchar para ser lo que es: piedra en el paisaje. Mas para el hombre existir es tener que combatir incesantemente con las dificultades que el contorno le ofrece; por lo tanto, es tener que hacerse en cada momento su propia existencia. Diríamos, pues, que al hombre le es dada la abstracta posibilidad de existir, pero no le es dada la realidad. Ésta tiene que conquistarla él, minuto tras minuto: el hombre, no sólo económicamente, sino metafísicamente, tiene que ganarse la vida.
Y todo esto ¿por qué? Evidentemente —no es sino decir lo mismo con otras palabras—, porque el ser del hombre y el ser de la naturaleza no coinciden plenamente. Por lo visto, el ser del hombre tiene la extraña condición de que en parte resulta afín con la naturaleza, pero en otra parte no, que es a un tiempo natural y extranatural, una especie de centauro ontológico, que medía porción de él está inmersa, desde luego, en la naturaleza, pero la otra parte trasciende de ella. Dante diría que está en ella como las barcas arrimadas a la marina, con media quilla en la playa y la otra media en la costa. Lo que tiene de natural se realiza por sí mismo: no le es cuestión. Mas, por lo mismo, no lo siente como su auténtico ser. En cambio, su porción extranatural no es, desde luego, y sin más, realizada, sino que consiste, por lo pronto, en una mera pretensión de ser, en un proyecto de vida. Esto es lo que sentimos como nuestro verdadero ser, lo que llamamos nuestra personalidad, nuestro yo. No ha de interpretarse esa porción extranatural y antinatural de nuestro ser en el sentido del viejo espiritualismo. No me interesan ahora los angelitos, ni siquiera eso que se ha llamado espíritu, idea confusa cargada de mágicos reflejos.
Si recapacitan ustedes un poco hallarán que eso que llaman su vida no es sino el afán de realizar un determinado proyecto o programa de existencia. Y su «yo», el de cada cual, no es sino ese programa imaginario. Todo lo que hacen ustedes lo hacen en servicio de ese programa. Y si están ustedes ahora oyéndome es porque creen, de uno u otro modo, que hacer eso les sirve para llegar a ser, íntima y socialmente, ese yo que cada uno de ustedes siente que debe ser, que quiere ser. El hombre es, pues, ante todo, algo que no tiene realidad ni corporal ni espiritual; es un programa como tal; por lo tanto, lo que aún no es, sino que aspira a ser. Se dirá que no puede haber programa si alguien no lo piensa, si no hay, por lo tanto, idea, mente, alma o como se le quiera llamar. Yo no puedo discutir esto a fondo porque tendría que embarcarme en un curso de filosofía. Sólo puedo hacer esta observación: aunque el programa o proyecto de ser un gran financiero tiene que ser pensado en una idea, ser ese proyecto no es ser esa «idea». Yo pienso sin dificultad esa idea y, sin embargo, estoy muy lejos de ser ese proyecto.
He aquí la tremenda y sin par condición del ser humano, lo que hace de él algo único en el universo. Adviértase lo extraño y desazonador del caso. Un ente cuyo ser consiste, no en lo que ya es, sino en lo que aún no es, un ser que consiste en aún no ser. Todo lo demás del universo consiste en lo que ya es. El astro es lo que ya es ni más ni menos. Todo aquello cuyo modo de ser consiste en serlo que ya es y en el cual, por lo tanto, coincide, desde luego, su potencialidad con su realidad, lo que puede ser con lo que, en efecto, es ya, llamamos cosa. La cosa tiene su ser dado ya y logrado.
En este sentido, el hombre no es una cosa sino una pretensión, la pretensión de ser esto o lo otro. Cada época, cada pueblo, cada individuo modula de diverso modo la pretensión general humana.
Ahora, pienso, se comprenden bien todos los términos del fenómeno radical que es nuestra vida. Existir es para nosotros hallarnos de pronto teniendo que realizar la pretensión que somos en una determinada circunstancia. No se nos permite elegir de antemano el mundo o circunstancia en que tenemos que vivir, sino que nos encontramos, sin nuestra anuencia previa, sumergidos en un contorno, en un mundo que es el de aquí y ahora. Ese mundo o circunstancia en que me encuentro sumido no es sólo el paisaje que me rodea, sino también mi cuerpo y también mi alma. Yo no soy mi cuerpo; me encuentro con él y con él tengo que vivir, sea sano, sea enfermo, pero tampoco soy mi alma: también me encuentro con ella y tengo que usar de ella para vivir, aunque a veces me sirva mal porque tiene poca voluntad o ninguna memoria. Cuerpo y alma son cosas, y yo no soy una cosa, sino un drama, una lucha por llegar a ser lo que tengo que ser. La pretensión o programa que somos oprime con su peculiar perfil ese mundo en torno, y éste responde a esa presión aceptándola o resistiéndola es decir, facilitando nuestra pretensión en unos puntos y dificultándola en otros.
Ahora puedo decir lo que antes no hubiera podido entenderse bien. Eso que llamamos naturaleza, circunstancia o mundo no es originariamente sino el puro sistema de facilidades y dificultades con que el hombre-programático se encuentra. Aquellos tres nombres —naturaleza, mundo, circunstancia— son ya interpretaciones que el hombre da a lo que primariamente encuentra, que es sólo un complejo de facilidades y dificultades. Sobre todo, «naturaleza» y «mundo» son los conceptos que califican aquello a que se refieren como algo, que está ahí, que existe por sí, con independencia del hombre. Lo propio acontece con el concepto «cosa», el cual significa algo que tiene un ser determinado y fijo y que lo tiene aparte del hombre y por sí. Pero, repito, todo esto es ya reacción intelectual interpretativa, a lo que primitivamente hallamos en torno de nuestro yo. Y eso que primitivamente hallamos no tiene un ser aparte e independiente de nosotros, sino que agota su consistencia en ser facilidad o dificultad, por lo tanto, en lo que es respecto a nuestra pretensión. Sólo en función de ésta, es algo facilidad o dificultad. Y según sea la pretensión que nos informa, así serán éstas o las otras, mayores o menores, las facilidades y dificultades que integran el puro y radical contorno. Así se explica que el mundo sea para cada época, y aun para cada hombre, algo distinto. Al perfil de nuestro personal programa, perfil dinámico que oprime la circunstancia, responde ésta con otro perfil determinado compuesto de facilidades y dificultades peculiares. Evidentemente, no es lo mismo el mundo para un comerciante que para un poeta: donde éste tropieza, aquél nada a sabor: lo que a éste repugna, a aquél le regocija. Claro es que el mundo de ambos tendrá muchos elementos comunes: los que responden a la pretensión genérica que es el hombre en cuanto especie. Mas precisamente porque el ser del hombre no le es dado sino que es, por lo pronto, pura posibilidad imaginaria, la especie humana es de una inestabilidad y variabilidad incomparables con las especies animales. En suma, que los hombres son enormemente desiguales, contra lo que afirmaban los igualitarios de los dos últimos siglos y siguen afirmando los arcaicos del presente.