Nietzsche (VP:288-291) – Moral como tentativa de produzir o orgulho humano

288

Moral como tentativa de produzir o orgulho humano. — A teoria do “livre-arbítrio” é antirreligiosa. Ela quer criar para o homem um direito de poder pensar-se como causa de seus mais altos estados e ações: ela é uma forma do crescente sentimento de orgulho.

O homem sente o seu poder, sua “felicidade”, então diz a si mesmo: deve haver “vontade” antes desse estado, — do contrário tal estado não pertence a ele. A virtude é a tentativa de colocar um fato do querer e ter-querido como um antecedente necessário em relação a todo sentimento de felicidade forte e elevado — se a vontade de certas ações está regularmente dada na consciência, então cabe interpretar um sentimento de poder como seu efeito. — Isto é uma simples óptica da psicologia: sempre sob a falsa pressuposição de que aquilo que não temos como desejado na consciência não nos concerne. Toda a doutrina da responsabilidade depende dessa psicologia ingênua, de que apenas a vontade é causa e de que se deve saber ter desejado para poder acreditar-se como causa.

— Chega o contramovimento: o dos filósofos da moral, sempre sob o mesmo preconceito de que só se é responsável por algo que se quis. O valor do homem postulado como um valor moral: por conseguinte, sua moralidade deve ser uma causa prima; por conseguinte, deve haver um princípio no homem, uma “vontade livre” como causa prima. — Aqui há sempre o pensamento velado de que, se o homem não é causa prima como vontade, então ele é irresponsável, — por conseguinte, ele não comparece em absoluto perante o foro moral, — a virtude ou o vício seriam automáticos e maquinais…

In summa: para que o homem possa ter respeito diante de si ele deve ser capaz de ser mau.

289

O jogo de cena como uma consequência da moral do “livre-arbítrio”. —Trata-se de um passo no desenvolvimento do sentimento de poder, ele mesmo, também o ter causado a si mesmo os seus estados elevados — por conseguinte, concluiu-se imediatamente ter desejado…

Crítica: todo agir perfeito é justamente inconsciente e não mais querido, a consciência exprime um estado pessoal imperfeito e frequentemente doentio. A perfeição pessoal como condicionada pela vontade, como intencionalidade [Bewusstheit], como razão acompanhada da dialética, é uma caricatura, uma espécie de contradição consigo mesmo… O grau de consciência torna mesmo impossível a perfeiçãoforma do jogo de cena.

290

A hipótesemoral, para fins de justificação de Deus, fazia constar: que o mal deve ser voluntário (e isso meramente para que se pudesse acreditar no caráter voluntário do bem) e, por outro lado: que em todo mal e sofrimento há um desígnio de salvação.

O conceito de “culpa” como não remontando aos fundamentos últimos da existência e o conceito de castigo como um benefício educativo, por conseguinte, como ato de um Deus bom.

Predomínio absoluto da valoração moral sobre todas as outras: não se duvidava que Deus não pudesse ser mau e que não pudesse fazer nada de prejudicial, ou seja, por perfeição pensava-se apenas em uma perfeição moral.

291

Que o valor de uma ação deve depender daquilo que a precedeu na consciência — como isso é falso! — E mediu-se em conformidade com isso a moralidade, mesmo a criminalidade…

O valor de uma ação deve ser medido a partir de suas consequências -dizem os utilitaristas: — medi-las segundo a sua proveniência implica uma impossibilidade, a saber: a impossibilidade mesma de conhecê-las.

Mas conhecem-se as consequências? A cinco passos de distância, talvez. Quem pode dizer o que incita, agita e excita contra si uma ação? Como estimulante? Como uma centelha para um material explosivo?… Os utilitaristas são ingênuos… Por fim, teríamos de saber primeiro o que é útil: também aqui a sua visão só alcança cinco passos adiante… Eles não possuem nenhum conceito da grande economia, que não sabe prescindir do mal -.

Não se sabe a proveniência, não se sabem as consequências: — por conseguinte, uma ação possui, em geral, um valor?…

Resta a ação, ela mesma: seus fenômenos coadjuvantes na consciência, o sim e o não que se seguem ao seu cumprimento: o valor de uma ação reside nos fenômenos coadjuvantes subjetivos -? (- isso significaria medir o valor da música segundo o prazer ou desprazer que nos provoca… que provoca em seu compositor…) Sem dúvida, acompanham-na sentimentos de valor, um sentimento de poder, de coação, um sentimento de impotência, por exemplo: a liberdade, a facilidade, perguntado de outro modo: poder-se-ia reduzir o valor de uma ação ao valor fisiológico: se é uma expressão da vida integral ou tolhida? — Pode ser que se expresse nisso o seu valor biológico…

Portanto, se a ação não é redutível nem à sua proveniência, nem às suas consequências, nem aos seus fenômenos coadjuvantes, então o seu valor é um x, desconhecido…

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