Os Deuses, para punir-lhe o orgulho inflexível e o coração empedernido, despertaram-lhe uma paixão estranha. Conta-se que uma vez, para descansar das fadigas do dia e dos tórridos calores do verão, Narciso foi sentar-se próximo a uma fonte, tão transparente e tão calma, que suas águas eram polidas como um espelho. As árvores que, defendendo seu frescor do fogo do Sol, nela refletiam suas folhas, e os delicados ramos de relva que engrinaldavam as margens trançavam sobre a água prateada uma dupla coroa. Nesse ínterim, como sentisse sede, Narciso deitou-se na relva, debruçou-se sobre a fonte e vislumbrou sua imagem refletida nas límpidas águas. Alucinado por essa visão, imobilizou-se diante dela e contemplou, como em êxtase amoroso, os encantos que o haviam feito tantas vezes admirado. Nada conseguia arrancá-lo ao seu próprio olhar. Pouco a pouco, porém, como gota de orvalho ao Sol, viu apagar-se e fundir-se as rosas de sua cútis. Quando o fogo secreto, que o crestava por um fantasma inconsistente, tinha-o consumido, as Náiades, suas irmãs, choraram-no e cortaram os cabelos para colocá-los sobre seu túmulo. Depois, tendo preparado uma fogueira, quiseram levar o cadáver, mas encontraram em seu lugar apenas uma flor amarela e branca, que ainda conserva o seu nome.