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mudança de paradigma

quinta-feira 25 de janeiro de 2024

  

O pressuposto da análise da mudança de paradigmas de Th. Kuhn   é precisamente o desenvolvimento da ciência moderna, que abriu um novo «continuum» histórico, volvido torrão fértil de diferentes paradigmas científicos. Outra mudança marcada profundamente pelo advento da ciência denominou-se Iluminismo e avançou até ao séc. XX com o seu cortejo de paradigmas racionais e mecanicistas, românticos e organicistas, dialécticos e evolutivos, etc. A força do Iluminismo interferiu na gênese de modelos com que a Teologia procurou responder a esta nova cultura, desde os modelos racionalistas de adaptação à Aufklaerung aos paradigmas anti-iluministas ou de ortodoxia transcendente, aos reformadores, progressistas, dialécticos ou aos revolucionários do séc. XX. Hoje anuncia-se uma viragem epocal profunda, cujos sinais perturbadores enrugam o semblante dos dias que vivemos e nos desafiam para a criação de novos paradigmas. A ruptura da nossa época cifra-se, em primeiro lugar, na perda de poder e de influência da cultura ocidental nas últimas décadas, pois, volvida a odisseia   de quatrocentos anos, os poderes do mundo deixaram de ser exclusivamente europeus e, fora da esfera da influência da Europa, desenham-se outras formas econômicas, políticas e culturais em centros diferentes de poder, de raízes mentais diferentes e com perspectivas peculiares de futuro. No entanto, continuam indeléveis no rosto diferente do extra-europeu os sulcos do Ocidente: a ciência, a tecnologia, a industrialização, os ideais sociais desde a democracia do séc. XVIII ao comunismo dos sécs. XIX e XX e o fascínio da super-abundância de bens de consumo. As sínteses extra-europeias destes elementos serão fulgurações diferentes das do Ocidente, que, por seu lado, inicia a experiência de uma época histórica completamente nova em que lhe está vedado centralizar em si e monopolizar os acontecimentos do futuro. Na confessada superioridade do Ocidente ocultou-se a ambiguidade do legado transmitido, isto é, o poder criador e destruidor dos modos de realização da ciência, da tecnologia, da industrialização e dos ideais de sociedade saídos do velho continente. O que separa a nossa situação científico-técnico hodierna do mundo sonhado por Condorcet, Comte, Haeckel, Marx   ou J. Dewey é que nos sentimos confrontados com a possibilidade da total aniquilação e, forçados a criar uma hermenêutica do perigo, só no terror compreendemos hoje o homem. Alterou-se radicalmente a confiança nas fontes científico-técnicas e político-sociais da civilização europeia no nosso mundo ameaçado, cujo porvir se não pode já representar, em franco contraste com a visão da realidade histórica e de futuro, que alimentou, desde o berço, a civilização moderna. Nesta mudança profunda, em que o declínio da crença no progresso segue o destino da morte iluminista da Metafísica e experiências paradigmáticas como a de Auschwitz mostram que é impossível pensar, ignorando as vítimas dos sistemas sem sujeito gerados na crise da Modernidade, a cultura ocidental não é telos nem a meta da cultura mundial mas uma das culturas do mundo solicitada ao encontro com as outras e capaz de as ouvir após longo tempo de império, pois o homem planetário é eminentemente policêntrico, devendo o substancialismo eurocêntrico diluir-se na relação ecumênica. (Miguel Baptista Pereira)

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