Bouveresse1976
Os motivos são, evidentemente, assim como as causas, coisas que podemos ignorar e sobre as quais podemos nos enganar. Mas justamente no caso deles surge a questão de como é possível ignorá-los a tal ponto ou enganar-se tão gravemente sobre o que são. “Um motivo”, observa Waismann, “é tão inapreensível quanto uma nuvem” (ibid., p. 134). Poderíamos formular, a respeito da motivação em geral, uma aporia do seguinte tipo: se o motivo é a causa do comportamento, como é possível que, pelo menos em alguns casos, o conheçamos da maneira como o fazemos? (Este seria, poderíamos dizer, o problema de Wittgenstein, para quem a afirmação de uma causa é por essência uma hipótese.) E se é da natureza de um motivo, diferentemente de uma causa, poder ser conhecido, como é possível que nos enganemos tanto sobre quais são nossos motivos e, mais precisamente, que existam motivos que simplesmente não podemos conhecer? (Este seria, poderíamos dizer, o problema de Freud.)
Somos tentados, e já se fazia isso muito antes de Freud, a responder à questão sobre como incertezas e até mesmo ilusões a respeito de nossos próprios motivos são possíveis dizendo que existem “resistências” inconscientes que nos impedem de acessar certos aspectos de nossa própria interioridade psíquica ou, em todo caso, têm o efeito de desviar ou distorcer, em alguns casos, o olhar que lançamos sobre ela. Essa explicação não satisfaz Waismann (e tampouco Wittgenstein, como já tivemos ocasião de perceber), pela seguinte razão: “Não é muito crível que se suponha estar em ação permanentemente uma força que impede o olhar de penetrar nossa própria interioridade; que os motivos devam ser entidades que levam, de certa forma, uma existência fechada em si mesmas, que estão disponíveis dentro de nós, mas que ocultamos de nós mesmos por meio de um procedimento mais ou menos elaborado, por uma ‘censura’ ou Deus sabe o quê. Teremos antes de enfrentar uma questão mais radical — será que simplesmente existem motivos?” (ibid., p. 135-136).
Quanto mais o motivo se assemelha a uma causa que precede a ação e que pode ter agido de forma subterrânea sem nosso conhecimento, mais o realismo dos motivos parece uma doutrina plausível; por outro lado, quanto mais o motivo emerge como uma interpretação da ação que é dada a posteriori, mais difícil parece conceber os motivos como entidades dotadas de existência real e que podem simplesmente, por uma razão ou outra, não ser percebidas.