(Groddeck1991)
Que uma representação da deusa do amor esteja repleta de simbolismo não é surpreendente. Mas um grande artista também não poderia retratar eventos cotidianos sem recorrer, inconscientemente, ao símbolo. Se observarmos, por exemplo, a Lição de Anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt, em Haia (imagem acima). Supostamente, é um retrato de um grupo de oito médicos, no qual a figura do Dr. Tulp se destaca. No entanto, eles não são oito, mas nove, e é justamente o nono, o cadáver, que recebe a luz mais intensa da pintura. O morto tornou-se, assim, o personagem principal, seja porque Rembrandt assim o quis, seja porque seu inconsciente o compeliu. Nove é o número da realização; de certa forma, essa ideia de completude impôs-se na tela, e essa realização deve estar ligada ao corpo morto. Ora, nove também é o número da gravidez, e nove é três vezes três. Diante de nove pessoas, o inconsciente geralmente impõe uma tripartição; três é o número mais poderoso, o três sagrado. Ele simboliza, em primeiro lugar, a masculinidade, a virilidade plena, na conjunção do membro e dos dois testículos; e ainda, o masculino-feminino-infantil. Se observarmos, na pintura, como se dá esse agrupamento em três, os dois personagens inclinados para a frente, em primeiro plano, ligam-se então à figura do Dr. Tulp, em pé e único em ação: são os que mais visivelmente participam do evento. Atrás deles, há outro grupo ternário: apenas um dos homens está totalmente concentrado; o segundo interrompe sua leitura, começando assim a se interessar pela dissecação; um terceiro, bem ao fundo, pouco participa da ação. O terceiro grupo, no cadáver, está separado da ação; os dois personagens que o completam, situados à margem do foco da tela (o corpo), não prestam atenção ao processo; um deles até mesmo olha para fora do quadro, a dissecação não lhe diz respeito. Mas aquele que não participa de forma alguma é o morto, e, no entanto, tudo gira em torno dele.
Se partirmos do número nove para analisar a imagem, o retrato de grupo, enquanto pintura de gênero, transforma-se então numa representação do destino do masculino, onde se figuram o surgir, o agir e o morrer do homem. Homem, no sentido operante do termo, o ser humano masculino só o é enquanto possui e emprega sua potência viril; ele surge — a palavra “surgir” é usada de propósito — da excitação, ele morre no ato amoroso que se segue à excitação; e, se tal ação não ocorre, ele não morre, mas apenas se recolhe em sua condição de menino.
A imagem mostra, simbolicamente, os estágios sucessivos do destino do homem viril. No grupo ao fundo, começa a excitação: a concupiscência de gerar — em alemão, erzeugen — está viva em um dos dois espectadores — em alemão, Augenzeuge; em latim, testis (testemunha)/testiculus (testículo) —, sua excitação ainda não se apodera do outro, mas o membro se metamorfoseia em falo. O homem em quem isso se manifesta interrompe sua leitura; ler, concebido simbolicamente, é fantasia sobre o feminino. O segundo grupo mostra os testículos em máxima tensão, um e outro, e o homem em pé (em alemão, Ständer, “ereção”), em plena ação. Ele é o único que usa chapéu, e seu colarinho está entreaberto, ambos símbolos da conjunção com a mulher. O terceiro grupo figura a consequência imediata do ato, não como detumescência (relaxamento) do falo, mas como morte; a concupiscência dos testículos se dissipou. Que a morte ocorreu por intermédio da mulher, a ferida no braço esquerdo o revela — braço do coração, braço do amor; os dedos, apesar da dissecação do músculo flexor, permanecem imóveis: essa realidade prova ostensivamente a morte. As partes genitais estão veladas por um pano cruzado: o estado humilhante da impotência é ocultado da vista. O polegar da mão direita, que tão claramente emblematiza o falo, também está invisível. Esses fatos correspondem, ambos, ao comportamento do ser humano masculino, que é compelido pelas forças do isso a se esconder, pelo sono, da consciência de sua virilidade aniquilada, ou ao menos a dissimular essa perda diante do ser humano feminino. O insulto “molenga”, que só recentemente entrou no uso comum, prova o quanto a vergonha de tal morte é grande. O morto, segundo a história da arte, era um enforcado. Que isso seja verdade ou não — se não for, a lenda prova a força simbólica do inconsciente —, a realidade da ejaculação durante o enforcamento reforça minha suposição de que, por trás da ação da lição de anatomia, esconde-se o segredo “gerar e morrer”, “amor e morte”.