O poeta Xenófanes de Cólofon (cerca de 570-470 a.C.) do qual nos resta uma centena de versos, abandonou sua cidade natal por volta dos vinte e cinco anos, para não cair, diz-se, sob o domínio dos persas, e levou uma vida errante através de toda a Grécia. É célebre sua denúncia da religião antropomórfica: para dela zombar, diz que os animais, se soubessem pintar, representariam os deuses à sua própria imagem e observa, em apoio disso, que os deuses diferem entre si como as raças humanas que os veneram. Mas ele é um espírito tradicionalista e provavelmente deixou Cólofon muito menos em razão da conquista persa que por lhe repugnarem o esforço dos jônios em busca da prosperidade material e seu amor ao luxo, assimilados a uma corrupção “oriental”. Ele quer dar do divino uma alta e pura ideia, não procura atacar a religião como tal: o verdadeiro Deus é único, poder absoluto, clarividência perfeita, justiça infalível, majestade imóvel; pouco se assemelha aos deuses homéricos sempre correndo pelo mundo sob o império das paixões. Xenófanes alia assim um sentido antigo da piedade à herança milesiana, modificando essas duas inspirações, uma pela outra, em proveito da primeira. Deus penetra sem esforço as coisas, pela ação do seu espírito; ordem imutável que é, confunde-se, parece, com a unidade esférica do mundo, que é eterno (e não mais engendrado e perecível); vivente imóvel, dá a vida do movimento às realidades variadas que abarca em seu todo. Reverenciado como o espírito perfeito, o cosmos agrega em si a unidade e a eternidade da arché milesiana sem conservar o seu movimento. É difícil restabelecer os detalhes dessa cosmologia; eles tinham a ver, talvez, com o sentido da relatividade e, no melhor dos casos, da probabilidade dos conhecimentos humanos, de que Xenófanes lança mão como contraste, ao depreciar tudo o que ultrapassa a simples sensação, para engrandecer o saber de Deus. O próprio Deus não é o objeto de uma firme crença senão com respeito a alguns atributos essenciais, tão grande é a distância que nos separa de sua perfeição. Assim nasce uma religião cósmica e antimitológica que reintroduz, com vigor, num monismo de princípio o mistério e a inacessibilidade de Deus.
Xenófanes permaneceu um isolado, apesar de sua influência sobre a escola eleática. Pitágoras, ao contrário, dá seu nome a uma das mais ricas e mais vigorosas correntes do pensamento antigo. Foi antes de tudo o fundador de uma confraria religiosa, o que, pela quase deificação do fundador, pelo hábito facilmente contraído de lhe referir toda novidade, pela obrigação do segredo, pelo menos em certos domínios, enfim pelas peripécias que a história da seita conheceu, explica suficientemente a extrema obscuridade na qual se envolve essa importante figura. É quase impossível distinguir sua obra própria tanto do que tomou emprestado de uma corrente mística, que também conhecemos muito mal, o orfismo, como dos desenvolvimentos devidos a seus sucessores dos séculos VI e V. Há poucas razões, todavia, para reduzi-lo à lenda e para lhe recusar as grandes linhas e a unidade profunda do pitagorismo. [J. Bernhardt]
Xenófanes nasceu na cidade jônia de Cólofon, em torno de 570 a.C. Por volta dos vinte e cinco anos de idade, emigrou para as colônias itálicas, na Sicília e na Itália meridional. Depois, continuou viajando, sem moradia fixa, até uma idade bem adiantada, cantando como aedo as suas próprias composições poéticas, das quais nos chegaram alguns fragmentos.
Tradicionalmente, se tem considerado Xenófanes como fundador da escola de Eleia, mas com base em interpretações incorretas de alguns testemunhos antigos. No entanto, ele próprio nos diz que ainda era um andarilho, sem morada fixa, até a idade de noventa e dois anos. Ademais, sua problemática é de caráter teológico e cosmológico, ao passo que os eleatas, como veremos, fundaram a problemática ontológica. Assim, justamente, considera-se hoje Xenófanes como um pensador independente, tendo apenas algumas afinidades muito genéricas com os eleatas, mas certamente sem ligação com a fundação da escola de Eleia.
O tema central desenvolvido nos versos de Xenófanes é constituído sobretudo pela crítica à concepção dos deuses que Homero e Hesíodo haviam fixado de modo exemplar e que era própria da religião pública e do homem grego em geral. O nosso filósofo identifica de modo perfeito o erro de fundo do qual brotam todos os absurdos ligados a tal concepção. E esse erro consiste no antropomorfismo, ou seja, em atribuir aos deuses formas exteriores, características psicológicas e paixões iguais ou análogas às que são próprias dos homens, só quantitativamente mais notáveis, mas não qualitativamente diferentes. Agudamente, Xenófanes objeta que se os animais tivessem mãos e pudessem fazer imagens de deuses, os fariam em forma de animal, assim como os etíopes, que são negros e têm o nariz achatado, representam seus deuses negros e com o nariz achatado ou os trácios, que têm olhos azuis e cabelos ruivos, representam seus deuses com tais características. Mas, o que é ainda mais grave, os homens também tendem a atribuir aos deuses tudo aquilo que eles mesmos fazem, não só o bem, mas também o mal:
Mas os mortais acham que os deuses nascem, que têm roupas, vozes e vultos como eles. Homero e Hesíodo atribuem aos deuses tudo aquilo que é desonra e vergonha para os homens: roubar, cometer adultério, enganar-se mutuamente.
Assim, de um só golpe, são contestados do modo mais radical, na credibilidade, não apenas os deuses tradicionais, mas também os seus aclamados cantores. Os grandes poetas com base nos quais os gregos tradicionalmente se haviam formado espiritualmente agora eram declarados porta-vozes de mentiras.
Analogamente, Xenófanes também desmitifica as várias explicações míticas dos fenômenos naturais, que, como sabemos, eram atribuídos a deuses. Eis, por exemplo, como a deusa Íris (o arco-íris) é desmitificada:
Aquela que chamamos Íris, porém, também ela é uma nuvem, purpúrea, violácea, verde de se ver.
A breve distância de seu nascimento, a filosofia mostra a sua forte carga inovadora, desmontando crenças seculares que eram consideradas muito sólidas, mas somente porque se radicavam no modo de pensar e de sentir tipicamente helênico: contesta qualquer validade a elas e revoluciona inteiramente o modo de ver Deus que era próprio do homem antigo. Depois das críticas de Xenófanes, o homem ocidental não poderá nunca mais conceber o divino segundo formas e medidas humanas.
Mas as categorias de que Xenófanes dispunha para criticar o antropomorfismo e denunciar a falácia da religião tradicional eram as categorias derivadas da filosofia da physis e da cosmologia jônica. Consequentemente, é compreensível que ele, depois de negar com argumentos muito adequados que Deus possa ser
concebido com formas humanas, acaba afirmando que Deus é o cosmos. Então, pode-se entender algumas de suas afirmações, que para muitos soaram como enigmáticas mas que, ao contrário, são evidentes no interior do horizonte do pensamento grego primitivo. Diz Aristóteles que, “estendendo as suas considerações à totalidade do universo”, Xenófanes “afirmou que o uno é Deus”. Assim, o uno de Xenófanes é o universo, que, como ele próprio diz, “é uno, Deus, superior entre os deuses e os homens, nem por figura nem por pensamento semelhante aos homens”.
Como o Deus de Xenófanes é o Deus-cosmos, então pode-se compreender claramente as outras afirmações do filósofo: Tudo ele vê, tudo ele pensa, tudo ele ouve. Sem esforço, com a força de sua mente, tudo faz vibrar. Permanece sempre no mesmo lugar sem se mover de modo algum, que não lhe é próprio andar ora em um lugar, ora noutro.
Em resumo: o ver, o ouvir, o pensar e a onipotente força que faz tudo vibrar são atribuídos a Deus, não numa dimensão humana, mas sim numa dimensão cosmológica.
Essa visão não contrasta com as informações dos antigos de que Xenófanes erigiu a terra como “princípio”, nem com suas precisas afirmações: Tudo nasce da terra e na terra termina — Todas as coisas que nascem e crescem são terra e água.
Com efeito, essas afirmações não se referem a todo o cosmos, que não nasce, não morre e não se torna nada, mas sim à esfera terrestre. E ele ainda apresenta provas bastante inteligentes de suas afirmações, como a presença de fósseis marinhos nas montanhas, sinal de que houve uma época em que havia mais água do que terra nesses lugares.
Xenófanes também ficou conhecido por sua visão moral de alto valor: contestando as ideias correntes, ele afirmava a superioridade dos valores da inteligência e da sabedoria sobre os valores vitais da robustez e da força física dos atletas, veneradíssimos na Grécia. Não é o vigor ou a força física que torna melhores os homens e as cidades, mas sim a força da mente, à qual cabe a máxima honra. [Reale]
Xenófanes representa um momento interessante na história da filofilosofia grega; é posterior a Pitágoras e recolhe sua herança filosófica; ao mesmo tempo, é um antecedente direto de Parmênides e da escola eleática. Viveu cerca da segunda metade do século VI e a primeira do V. Por outro lado, Xenófanes, poeta e filósofo, marca uma etapa da luta travada na Hélade entre a poesia e a filosofia como disciplinas dominantes; pouco a pouco, a Grécia mítica e poética, que se nutre de Homero e de todos seus continuadores, será substituída pela Grécia do logos, cuja primeira maturidade é atingida com Parmênides, e sua vigência social plena entre os séculos V e VI.
“(Xenófanes) afirmou pela primeira vez que todo o gerado é corruptível, e que a alma é um alento.” (Diógenes Laércio, IX, 2.)
“Os deuses não revelaram aos mortais todas as coisas desde o princípio; são estes que, procurando com o tempo, encontram o melhor.” (Fr. 18 de Diels.)
Nos esboços da antropologia de Xenófanes descobre-se de novo o tema permanente da Grécia: a corruptibilidade ante o eterno e divino, e a referência do homem aos deuses imortais, que se manifesta no conhecimento. O saber total, sem dúvida, é inaccessível aos mortais, e só com o tempo através de um processo de esforço, chega-se de algum modo a participar dele. Em relação com isto, tenha-se presente Aristóteles: Metafísica, I, 2. [Julián Marías]