(gr. alethes; lat. Verum; in. True; fr. Vrai; al. Wahr; it. Vero).
Os estoicos distinguiam verdadeiro de verdade, porque o verdadeiro é um enunciado, logo é incorpóreo, enquanto a verdade, como ciência que contém todos os verdadeiros, é um modo de ser da parte hegemônica do homem, portanto corpórea. Ademais, o verdadeiro é simples, enquanto a verdade consta de muitos verdadeiros, e a verdade pertence à ciência, portanto ao sábio, enquanto o verdadeiro pode ser também do néscio (Sexto Empírico, Pirr. hyp., II, 81-83; Adv. dogm., I, 38-42).
Na Escolástica o verdadeiro foi considerado um dos transcendentais, isto é, dos caracteres que pertencem às coisas como tais, independentemente dos seus gêneros, e por verdadeiro foi entendida a inteligibilidade da coisa (Tomás de Aquino, Suma Teológica, q. 16, a. I ad. 3e). [Abbagnano]
A) «O verdadeiro é verdadeiro, o falso é falso.»
Qual o valor de verdade de esta proposição? tautologia? dilema? afirmação existencial?
No primeiro caso o significado é nulo, porque se trataria de uma particularização do princípio de identidade, indiferente mesmo à possibilidade de distinção efetiva dos dois termos. No segundo caso corresponderia a afirmar uma bivalência absoluta; seria portanto uma afirmação falsa. No terceiro caso tratar-se-ia de uma concepção realista (para usar o termo tradicional) do falso e do verdadeiro como realidade.
Se um viajante no deserto, alucinado pelo calor e pela sede, afirma que vê ao longe águas e árvores, a sua afirmação é verdadeira, mas não são reais as árvores que vê. «Falso» e «verdadeiro» são características de proposições; «real» e «irreal», características do percetpo; mas esta aproximação é ainda insuficiente. Provam-no as formas do realismo contemporâneo (em que se atribui às ciências objeto exterior de realidade transcendente), o regresso a uma concepção de um mundo de entidades racionais, simétrico de outro de dados sensíveis, de estrutura análoga à do primeiro. Ora o fato de a verdade de uma proposição deduzida depender das premissas admitidas e da afirmação de que essas premissas implicam a conclusão só demonstra que «falso» e «verdadeiro» não são características absolutas. Se das proposições pudesse dizer-se rigorosamente que «existem» proposições falsas e proposições verdadeiras, dando ao termo «existir» significado único (sendo certo que tem mais de um), todo o processo se desenrolaria em presentação intelectual exterior ao sujeito, e a ideia de demonstração rigorosa do que parecia intuitivo não poderia ter surgido.
Nada de isto impede que em certo sentido possa falar-se de «verdade» a respeito do percepto, pois ele entra em relações múltiplas, e, além disso, o «percepto» é conceito que não constitui elemento de percepção atual; simetricamente, pode falar-se do grau de realidade do conceito, que é exemplificável, e todo exemplo dado é concreto. Trata-se pois de dissolver a oposição que o realismo e o idealismo unilaterais tinham acentuado erradamente (é o que vai realizando o idealismo pós-kantiano) e simultaneamente elaborar o contínuo que vai do percepto à relação abstrata.
Sendo assim, conclui-se não haver problema especial da verdade como substantiva, mas apenas o de verificar ou demonstrar, o de construir estruturas cada vez mais gerais; admitida a hipótese de uma relação de que todas pudessem depender, ela seria uma relação condicional, verificada nas inúmeras relações particulares nela abrangidas.
B) Falando do conceito, importa sublinhar que o contrapus ao percepto, não tomando-o no sentido tradicional aristotélico, mas no sentido mais genérico de «ideia», que vai entroncar, embora não idêntico, na tradição platônica. O que interessa nesta concepção, renovada em Descartes, é a relação judicativa em ato, de que resulta o conceito.
Tratar resultados a que se julga ter chegado legitimamente —o que muitas vezes não é exato — como princípios de onde se parte, protegendo-os sob a couraça de um a priori ilusório, é processo frequente na história do pensamento — processo que parecia dar razão ao empirismo.
Posto assim o problema erradamente, ele transforma-se em problema de existência. Ora a existência, como se sabe, é postulada ou demonstrada e portanto, em si mesma, não é problema nem existe. Existência é uma característica de qualquer estruturação válida. E como um conceito não se estrutura —porque é resultado (e expressão) de uma estruturação, certa ou errada, e Verdade é um conceito —, perguntar se «a verdade existe» é fazer uma pergunta sem sentido.
Na lógica moderna estabeleceram-se rigorosamente analogias estruturais e aplicação a domínios que pareciam irredutíveis, como anteriormente se julgaram irredutíveis a continuidade espacial (intuitiva-imaginativa) e o conjunto discreto aritmético ou algébrico, até à construção da geometria analítica por Descartes. Esta forma de generalização documenta e acompanha o dinamismo da invenção ou criação científica, e nas mais típicas zonas do saber: a lógica e a matemática — se não quisermos considerá-las uma zona só. E vê-se desaparecer, dissipar a ilusão da necessidade do substratum transcendente, que não intervém nem pode intervir na especulação científica real. [Vieira de Almeida, Pontos de Referência, pp. 130-133]