Francisco Suarez (1548-1617), o “doctor exímio”, é o representante mais importante da escolástica no Renascimento. Entretanto, Suarez tem ideias próprias. Deus não é inteligível pela investigação metafísica, que dele não nos pode dar um conhecimento. O que nos conduz a Deus são os efeitos de Deus, que o demonstram. O que é interessante de notar em Suarez é a sua concepção do individual. Não há na natureza o absolutamente universal, sem o individual. Por isso, não se pode falar do universal univocamente, mas devemos referir-nos a ele como algo que está potencialmente nas coisas e, em ato, no intelecto.
Desta forma, a verdadeira realidade da coisa é o composto. Reconhece, assim, Suarez uma complementaridade entre o universal e o individual.
Propondo a doutrina de Tomás de Aquino e de Duns Scot, realiza uma obra de vulto, ocupando, assim, a primeira plana, da escolástica, ao lado daqueles, e influiu na obra dos comentadores de Coimbra e Salamanca, onde floresceram gigantes como Fonseca, os Góis, Furtado de Mendonça, Benedito Pereira, Soto, Vasquez, Banez, Gon-zalez, Toledo, etc. [MFS]
Suarez, Francisco (1548-1617)
Nasceu em Granada e morreu em Lisboa. Conhecido como “Doctor eximius”, ingressou na Companhia de Jesus em 1564. Professor de teologia e filosofia em Segóvia, Avila, Valladolid, Roma, Alcala, Salamanca; por último, desde 1597, em Coimbra.
Sua extensa obra filosófico-teológica, 26 volumes infolio, compreende dois blocos: a) O bloco de obras teológicas. Quase todas elas desenvolvem a Summa Teológica de Santo Tomás. Mas a obra de Suarez não é comentário. São tratados autônomos e independentes, que estudam de forma sistemática todos os problemas da teologia. São eles: De divina substantia, em que se encontra toda a teologia natural; De angelis estuda o problema do conhecimento intelectual; De gratia analisa as relações entre a liberdade divina e a liberdade criada; De ultimo fine e De voluntario expõem os princípios e as normas fundamentais da ética natural, b) A obra filosófica está contida nos dois grandes volumes de suas Disputationes metaphysicae. Nas 54 Disputaciones metafísicas, Suarez estuda com clareza e rigor o problema do ser independentemente das questões teológicas, embora sem perder de vista que sua metafísica ordena-se à teologia, à qual serve de fundamentação prévia. “Suarez é, desde Aristóteles, escreve Zubiri, o primeiro ensaísta a fazer da metafísica um corpo de doutrina filosófica independente. Com Suarez, eleva-se ao nível de disciplina autônoma e sistemática.”
— A metafísica de Suarez aborda, com muita agudeza, os pontos capitais da filosofia escolástica. Embora se mantenha fiel ao tomismo, não rechaça os desvios quando lhe parecem necessários. Algumas vezes recolhe antecedentes da filosofia pré-tomista; em outras, ao contrário, está mais próxima de Duns Scot e dos nominais; algumas expõem soluções originais e próprias como, por exemplo, na questão da distinção real entre a essência e a existência, em que se afasta dos tomistas. Na questão dos universais, não admite que a matéria signata quantitate seja o princípio individualizante. O decisivo do indivíduo é sua incomunicabilidade. Para a demonstração da existência de Deus, somente concede valor apodítico aos argumentos metafísicos. Afirma ainda a impossibilidade de ver e conhecer naturalmente a Deus, a não ser de forma indireta, refletido nas criaturas.
— Verdadeiramente notável e original é sua doutrina política exposta em seu tratado De legibus (1612). A tese fundamental dessa obra apoia-se em que, enquanto o poder eclesiástico procede imediatamente de Deus, o poder temporal procede somente do povo. De fato, todos os homens nascem livres, e o corpo político resulta da livre reunião dos indivíduos que, explícita ou tacitamente, reconhecem o dever de ocupar-se do bem comum. Em consequência: a) nega a teoria do direito divino dos reis, usada pelos protestantes, segundo a qual o rei teria seu poder imediatamente de Deus; b) afirma que a soberania reside somente no povo, que é superior ao rei, em quem se confia e de quem pode ser tirada quando não a empregar politicamente, isto é, no interesse comum, e sim com tirania.
— Suarez pertence à chamada “escolástica tardia do século XVI”, que teve em Salamanca, Alcalá e Coimbra seus centros intelectuais de interesse. Quase todos esses escolásticos tinham uma formação adquirida em Paris e em Roma. Reafirmaram a tradição escolástica frente à crítica dos renascentistas; tornaram ao tomismo e às grandes obras sistemáticas da Idade Média, não para repeti-las, e sim para comentá-las e esclarecê-las. Abordaram-se também uma série de problemas sociais e políticos que o Renascimento atualizou, como por exemplo o direito internacional, a condição dos índios da América etc.
A obra de Suarez insere-se nesse ambiente da Contra-Reforma e da escolástica renascentista. “Durante os séculos XVII e XVIII, as Disputationes de Suarez — observa J. Marias — serviram de texto em inúmeras universidades europeias, inclusive protestantes; Descartes, Leibniz, Grócio, os idealistas alemães a conheceram e utilizaram. Pode-se dizer que a Europa, durante dois séculos, aprendeu metafísica com Suarez, embora tenha sido mais utilizada para fazer outra diferente do que para continuá-la segundo sua inspiração. Através de Suarez penetrou na filosofia moderna o mais fecundo do caudal da escolástica, que ficou assim incorporado a uma nova metafísica, feita sob outro ponto de vista e com método diferente” (Historia de la filosofia, 5a ed., p. 200).
BIBLIOGRAFIA: Obras: Misterios de la vida de Cristo 03AC), 2 vols.; Disputaciones metafísicas. Edição bilíngue, Gredos, 7 vols.; Tratado de las Leyes y del Dios legislador, 1918-1921, 11 vols. Edição crítica bilíngue por Luciano Perefia, 1972-1975, 5 vols.; R. de Scorraille, El Padre Francisco Suarez, 1917, 2 vols. [Santidrián]