Rickert retoma de Windelband a concepção da filosofia como teoria dos valores e, ao mesmo tempo, os resultados mais válidos de sua investigação metodológica. Entretanto, ele tenta sistematizar resultados semelhantes em concepção orgânica da teoria do conhecimento e procura fundar (ao invés de, mais ou menos simplesmente, registrar) a autonomia do conhecimento histórico.
A orientação sistemática de Rickert já pode ser claramente encontrada em seu trabalho de 1892 intitulado O objeto do conhecimento, onde se analisa o tríplice significado da antítese entre sujeito e objeto: 1) como antítese entre a individualidade psicofísica e o ambiente que a circunda; 2) como antítese entre a consciência e a realidade corpórea fora da consciência; 3) como antítese entre a pura atividade da consciência e os seus conteúdos. Para Rickert, a terceira antítese é a que conta. E a ela Rickert liga a crítica à gnosiologia de matriz realista, no sentido de que ele nega que o conhecimento seja a relação do sujeito com um objeto transcendente, independente dele e com o qual o conhecimento deve se defrontar. A representação e a coisa representada são ambos objetos e conteúdos de consciência. Por isso, a sua relação é a que existe entre dois objetos de pensamento. Consequentemente, a garantia da validade do conhecimento não reside no ser, e sim no dever ser.
Conhecer quer dizer julgar, isto é, aceitar ou rejeitar, aprovar ou reprovar, o que implica no reconhecimento de um dever ser que está na base do conhecimento. Negar o dever ser, isto é, a norma, equivaleria a ratificar a impossibilidade de qualquer juízo, inclusive daquele que nega. Um juízo não é verdadeiro porque expressa aquilo que é; pode-se afirmar muito mais que algo é somente se o juízo que o expressa é verdadeiro por força do seu dever ser. E o dever ser, isto é, os valores, ou seja, as normas, são transcendentes em relação a cada simples consciência empírica.
Quando se julga, o “juízo que eu formulo, por mais que diga respeito a representações que vão e vêm, tem valor duradouro, enquanto não poderia ser diferente daquilo que é. No momento em que se julga, se pressupõe algo que vale eternamente”. Para Dilthey, o sujeito do conhecer é o homem como ser histórico. Já para Rickert é o sujeito transcendental, além de qualquer condicionamento de espaço e de tempo; é a consciência em geral (Bewusstsein überhaupt); “a pura atividade do conhecer, que se exerce além da subjetividade individual e das condições de fato do processo de pesquisa”. E essa “consciência em geral” não é somente lógica, mas também ética e estética.
Desse modo, sendo os valores transcendentes às consciências individuais e sendo o sujeito do conhecimento entendido como sujeito transcendental, é óbvio que as investigações de Rickert, diferentemente das de Max Weber, se colocam em plano que abstrai completamente as condições e os problemas efetivos dos processos de pesquisa, sejam estes científicos, sejam históricos. Segundo Rickert, a filosofia não tem em absoluto a função de se interessar por tais problemas: ela deve muito mais cumprir a função de estabelecer de que modo as ciências generalizantes e as individualizantes encontram a garantia de sua validade universal e necessária tendo em vista os valores que constituem seus princípios a-priori e o seu fundamento.
Posteriormente, em 1921, no Sistema de filosofia, Rickert apresenta sistematização de tipo escolástico da teoria dos valores. Ele distingue seis domínios do valor: 1) a lógica, que é o domínio do valor de verdade; 2) a estética, que é o domínio do valor de beleza; 3) a mística, que é o domínio da santidade impessoal; 4) a ética, que é o domínio da moralidade; 5) a erótica, que é o domínio da felicidade; 6) a filosofia religiosa, que é o domínio da santidade pessoal. E a cada um desses domínios ele faz corresponder um bem (ciência, arte, uno-todo, comunidade livre, comunidade de amor, mundo divino), uma relação ao sujeito (juízo, intuição, adoração, ação autônoma, unificação, decisão) e determinada intuição do mundo (intelectualismo, esteticismo, misticismo, moralismo, eudemonismo, teísmo ou politeísmo).
Como se pode ver, todas essas classificações têm algo de artificioso, não constituindo certamente a parte mais duradoura da filosofia de Rickert. São mais interessantes as obras que se colocam entre os dois pontos extremos rapidamente examinados. Esses trabalhos consistem essencialmente na elaboração das ideias de
Windelband, ideias que Rickert procurou desenvolver, enquadrar ou, como dizia ele, fundamentar no quadro de sua filosofia sistemática dos valores.
Em Os limites da formação dos conceitos das ciênicas naturais (1806-1902), Rickert retoma de Windelband a distinção entre ciências nomotéticas e ciências idiográficas. Mas, como já observamos, ele não se limita, como Windelband, a constatar a existência de dois grupos de disciplinas e a diversidade de seus objetivos. Mais do que qualquer outra coisa, ele faz questão de demonstrar a autonomia do conhecimento histórico e fazer ver a diferença de estrutura lógica implicada na diferença do tipo de elaboração conceituai das duas formas de conhecimento.
O objetivo da ciência natural está em estabelecer a uniformidade do real. Ela tende a traduzir a multiplicidade do dado empírico em conceitos gerais. Sua orientação é generalizante. E seu resultado é uma explicação necessária da realidade, realizada por obra de leis incondicionalmente válidas, nas quais os conceitos de coisa são gradualmente traduzidos em conceitos de relações: em outros termos, nas quais os dados empíricos são traduzidos em traumas de puras relações formais.
Para Rickert, como antes para Windelband, as ciências generalizantes dizem respeito tanto ao mundo físico como ao mundo psíquico. A distinção entre ciências nomotéticas e ciências idiográficas, pelo menos no momento, é uma distinção metodológica realizada, através de uma orientação específica de elaboração conceituai. Por isso, escreve Rickert, “a natureza é a realidade em referência ao geral”. A natureza não é conjunto delimitado de objetos ou eventos, mas a realidade inteira, estudada a fim de se estabelecer as uniformidades gerais.
Agora, porém, afirma Rickert, as ciências da natureza ou ciências generalizantes deixam fora de si todo o mundo da individualidade. Com efeito, todo processo, corpóreo ou espiritual que seja, é indivíduo, alguma coisa de único e irrepetível, “isto é, alguma coisa que ocorre uma vez neste determinado lugar do espaço e do tempo, sendo diferente de qualquer outro ser corpóreo ou espiritual”. E é assim que a ciência natural, feita de leis gerais, encontra na individualidade única e irrepetível o seu limite.
Mas como poderemos, então, conhecer a realidade em sua individualidade? Há uma forma de conhecimento, diferente do generalizante, capaz de captar as manifestações singulares e irrepetíveis da realidade? Eis como, precisamente dos limites em que se debate a ciência natural, surge a questão de se é possível uma forma diversa de conhecimento, capaz de captar a individualidade.
Para Rickert, como antes para Windelband, esse tipo diferente de conhecimento existe: é a história, que representa a “realidade não em referência ao geral, mas somente em referência ao particular, já que só o particular é que acontece realmente”. Assim, estamos então raciocinando em nível puramente metodológico. A própria realidade “torna-se natureza quando considerada em referência ao geral, mas torna-se história quando, ao contrário, considerada em referência ao particular”. Assim, a contraposição entre natureza e história perde sua conotação objetivo-metafísica para se transformar em uma contraposição de tipo metodológico. [Reale]
A autonomia do conhecimento histórico é o problema de fundo de Heinrich Rickert (1863-1936). Rickert retoma de Windelband a distinção entre ciência nomotéticas e ciências idiográficas (v. nomotético e idiográfico), assim escrevendo em Os limites da formação dos conceitos científicos (1896-1902): “A mesma realidade torna-se natureza quando a consideramos em referência ao geral e torna-se história quando a consideramos em referência ao particular”.
Nesse ponto, porém, surge um problema: nem todos os acontecimentos individuais suscitam o interesse do historiador, mas somente os que têm particular importância ou significado. O historiador deve escolher. Mas com base em que critério ele pode operar as suas escolhas? Para Rickert, o critério de escolha está na relação dos fatos individuais com o valor. E a relação com os valores que constitui a base da elaboração conceituai da história. Tudo o que não tem valor o historiador deixa-o. O que não significa que o historiador deve pronunciar juízos de valor sobre o que pesquisa, mas sim que ele reconstrói um acontecimento somente porque ele tem valor.
“O conceito de individualidade histórica constitui-o os valores captados e feitos próprios pela civilização ao qual ele pertence. O procedimento histórico é contínua referência ao valor.” Em suma, o conhecimento histórico encontra o seu fundamento em relação aos valores. Por isso, o objeto do conhecimento histórico é definido como Kultur (cultura) e os valores aos quais ele se refere são definidos como Kulturwerte (valores culturais). São esses os valores que o homem realiza no devir histórico.
No início de sua especulação, juntamente com Windelband, Rickert propusera uma teoria dos valores, estendidos, ao modo neocriticista, como princípios a priori capazes de estabelecer a validade dos diversos âmbitos da atividade humana. Mas depois, abandonando progressivamente essa proposta, Rickert passou a interpretar os valores como necessários e absolutos, afirmando-os em nível de subsistência transcendente e atribuindo-lhes realidade metafísica própria. Com isso, Rickert pretende se opor a toda forma de historicismo, que, para ele, nada mais é que relativismo e niilismo.
Nessa sua caminhada da consideração dos valores como referência normativa à ideia de valores absolutos existentes metafisicamente, Rickert envolveu também Windelband, que, por seu turno, fez questão de escrever: “A história como ciência, vale dizer, como ciência da cultura, não é (…) possível senão enquanto existem valores que têm dimensão geral, que nos fornecem a razão da escolha e da síntese dos fatos”.
A distinção entre ciências nomotéticas e ciências idiográficas (v. nomotético e idiográfico) e a referência aos valores dos fatos tomados em consideração pelo historiador são dois pontos destacados na metodologia das ciências histórico-sociais. São ideias que, retomadas e devidamente corrigidas por Weber, pertencem hoje à parte mais sólida da metodologia da historiografia. [Reale]